Círculo de giz caucasiano

Bertold Brecht foi mais do que um autor de peças teatrais– foi também um teórico sobre o teatro, um encenador e diretor. Para falar sobre ele seria necessário mais do que um post, mas você poderá conhecer sua obra nos muitos livros de sua autoria publicados, além da enorme diversidade de escritos sobre tudo o que ele fez.

Escolhi falar de uma peça de que eu gosto muito, Círculo de giz caucasiano.

Esta peça, escrita em 1944, se passa na antiga União Soviética. No enredo acompanhamos a disputa entre a mãe biológica de uma criança, Miguel,  e a mulher que o criou quando a mãe, Grusche, o abandonou. Por diferentes motivos, que você só saberá lendo a peça, as duas entram em disputa pela guarda.

O juiz decide que ficará com Miguel aquela que conseguir tirá-lo de um círculo de giz traçado no chão, puxando-o com força pelo braço, cada uma de um lado do círculo. Quer saber como este conflito termina? Leia toda a peça!

As fotos utilizadas neste post foram retiradas de: http://www.companhiadolatao.com.br/site/o-circulo-de-giz-caucasiano/

Para que sua vontade de ver a peça aumente, aí vai um pequeno trecho, retirado da Edição do Teatro Completo de Bertold Brecht, número 9, feito pela Editora Paz e Terra:

As fotos utilizadas neste post foram retiradas de: http://www.companhiadolatao.com.br/site/o-circulo-de-giz-caucasiano/

“Entram as três no caravançará. Do outro lado do palco aparece ao fundo o Criado com umas trouxas. Atrás dele vai a Velha Dama, depois a Jovem e Grusche com o Menino.

JOVEM DAMA: Cento e oitenta piastras! Nunca fiquei tão irritada, desde o dia em que o meu querido Igor foi tirado à força de casa.

VELHA DAMA: Acha que é hora de falar no Igor?

JOVEM DAMA: Na verdade, somos quatro pessoas: porque o menino também é gente, não é? (A Grusche) A senhora não poderia pagar pelo menos a metade do aluguel?

GRUSCHE: Impossível. As senhoras estão vendo, eu tive de sumir às pressas e o Ajudante de Ordem esqueceu de me dar dinheiro suficiente.

VELHA DAMA:  A senhora não tem nem sessenta piastras?

GRUSCHE: Depois eu pago.

JOVEM DAMA: E as camas, onde estão?

CRIADO: Cama, não tem. Aqui estão os sacos e as cobertas. E as senhoras têm de arrumar tudo sózinhas, dando-se por muito felizes por não estarem no fundo de uma vala, como tantos outros. (Sai.)

JOVEM DAMA: Ouviu isso? Vamos imediatamente falar com o estalajadeiro! Esse criado precisa é de umas chibatadas.

VELHA DAMA: Como o seu marido?

JOVEM DAMA: Você é tão cruel! (Chora)

VELHA DAMA: Como é que nós vamos fazer com isto alguma coisa que pareça uma cama?

GRUSCHE: Eu já dou um jeito. (Põe o Menino  sentado no chão.) A gente aprende a fazer muitas coisas, as senhoras ainda têm a carruagem. (Limpando o chão) Para mim, foi tudo uma surpresa tola. Antes do almoço, meu marido ainda me disse: “Minha querida Anastácia Katarinówska, vá deitar-se um pouco, você sabe que não custa pegar uma enxaqueca!” (Estende os sacos e faz as camas; as duas Damas, vendo-a trabalhar, entreolham-se,) Eu disse ao Governador: “Grégori, nós estamos com sessenta convidados para almoçar, e eu não tenho tempo de me deitar, a gente não pode confiar na criadagem e o Miguel Georgivitch não pode passar sem mim,” (Ao Menino): Está vendo, Miguel? Tudo se arranja: é como eu disse a você! (Percebe, de repente, que as duas Damas a observam curiosamente e cochicham.) E assim não é mais no chão duro que vamos dormir: eu fiz um forro com os cobertores dobrados.

VELHA DAMA (autoritária): Você faz camas bem demais, querida: deixe ver suas mãos!

GRUSCHE (assustada) Que está querendo dizer?

JOVEM DAMA: Pode mostrar suas mãos a ela.

Grusche mostra as mãos às Damas.

JOVEM DAMA (triunfante): Cheia de calos! É da criadagem!

VELHA DAMA (vai até a porta e grita): Atendam aqui!

JOVEM DAMA: Foi apanhada, sua impostora! Vá dizendo o que estava planejando!

GRUSCHE: Eu não estava planejando nada. Pensei que as senhoras talvez nos pudessem dar uma boa carona em sua carruagem. Por favor, não façam barulho: já estou indo embora!

JOVEM DAMA (enquanto a Velha Dama continua a chamar gente): Você vai, sim, mas é com a polícia. Enquanto ela não chega, você fica. Não me saia daqui!

GRUSCHE: Mas eu ia pagar as sessenta piastras. Podem ver: tenho dinheiro aqui! (Mostra a bolsa.) Quatro pratas de dez e uma de cinco, não, mais uma de dez, somam sessenta. Eu só queria botar o menino na carruagem, estou falando a verdade.

JOVEM DAMA: Então queria ir de carruagem? Pois agora acabou-se!

GRUSCHE: Nobre senhora, eu juro: minha origem é pobre, por favor, não chame a polícia! O menino é de alto berço, veja a roupinha dele: é um fugitivo, como as senhoras!

JOVEM DAMA: Está-se vendo que é de alto berço. E o pai é um príncipe?

GRUSCHE (furiosa, à Velha Dama): Pare de gritar! Será que não tem coração?

JOVEM DAMA (à Velha): Cuidado, ela é capaz de tudo, é perigosa! Socorro! Assassinos!

CRIADO (Aparecendo): Que está havendo aqui?

VELHA DAMA: Essa rapariga enfiou-se aqui, bancando a grande dama: talvez seja uma ladra.

JOVEM DAMA: E das mais perigosas. Queria nos matar. É um caso de polícia. Estou sentindo a minha enxaqueca chegar, ah, meu Deus!

CRIADO: Polícia, no momento, não existe. (A Grusche). Arrume suas coisas, boneca, e desapareça que nem salsicha do armário!

GRUSCHE (encolerizada, pondo o Menino no colo): Seus desumanos! Hei de ver as cabeças de vocês penduradas no muro!

CRIADO (enxotando-a para fora): Cale esse bico! Senão, o patrão vem aí, e com ele não tem meias medidas.

VELHA DAMA ( à Jovem): Dê uma espiada, se ela já não furtou alguma coisa!

Enquanto as Damas, à direita, verificam se nada lhes foi roubado, o Criado e Grusche encaminham-se para a saída, à esquerda.”

Neste trecho é possível observar uma das características da obra de Brecht: a análise sobre as diferentes questões sociais presentes na época em que ele viveu (1898 – 1956) e que ainda são muito presentes na atualidade! Muito mais do que eu, ele e provavelmente você, gostaríamos.

 

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