Arena conta Tiradentes

Peça escrita por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967, que irá abordar o tema da Inconfidência Mineira relacionando-o aos acontecimentos políticos da década de 1960. Boal é um autor que precisa ser conhecido por qualquer um que se interesse por teatro. Além de suas obras como dramaturgo, escreveu sobre teoria teatral e dirigiu diferentes grupos e experimentos importantíssimos para o teatro.

Esta peça apresenta com mais clareza o Sistema Coringa, já experimentado em “Arena Conta Zumbi”.

Sobre o Sistema Coringa, você pode conhecer um pouco mais no link http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo620/sistema-coringa ou nos próximos posts deste blog.

Sobre o Teatro de Arena, Sabato Magaldi  escreve “Um palco brasileiro: o Arena de São Paulo”, no qual é possível saber muito sobre a formação deste grupo que soube fazer do teatro um espaço de reflexão acerca do momento político e social vivido naquela época.

A leitura desta peça mostrará o quanto persistem alguns dos problemas enfrentados há 50 anos. É possível que, ao ler, você tenha a sensação de que foi uma criação que antecipou o que estava por vir, mas basta conhecer um pouco da história deste país para sabermos que as relações estabelecidas entre a Inconfidência Mineira e o Golpe de 1964 parecem estar em uma sala de espelhos, nos quais voltamos a ver, atualmente, as mesmas imagens refletidas.

Leia um trecho da peça aqui no post e se quiser ler um pouco mais, acesse:

https://ensinarhistoriajoelza.com.br/download-arena-conta-tiradentes-o-teatro-politico/

FANFARRAS

CORIFEU – Vila Rica, Palácio do Governo, 1788. Sai Cunha Menezes, Barbacena toma posse! Todo mundo alegre! Alegria dura pouco.

 GONZAGA – Nós e o povo já dávamos sinais de grande inquietação! Nós e o povo estamos felizes com a nomeação de V.Ex.a.! Vossa vinda traz de volta a paz e o retorno!

BARBACENA – Mais que retorno, mais que a paz, trago alegria, apesar de tudo. Trago esta carta da Rainha que me ordena lançar a derrama. Que todos sejam felizes, apesar de tudo. O Brasil finalmente honrará suas dívidas a Portugal! A derrama será lançada! (Pânico. Espanto profundo. Música de percussão.)

GONZAGA – Mas, Ex.a.! São nove milhões de cruzados. Nem a Capitania inteira possui essa fortuna disponível!

DOMINGOS – Nem que eu venda todas minhas fábricas!

SILVÉRIO – Nem que eu venda meus escravos! Nem que eu me venda a mim!

FRANCISCO – Nem que eu venda meu exército com todas suas armas, uniformes e disciplina!

GONZAGA – A mim me parece estranho que a Capitania tenha contraído uma dívida superior aos bens de que dispõe!

BARBACENA (irônica e sarcástico) – No entanto, assim é. O Governo anterior levou a este paradoxo. Aqui, fizeram-se fortunas individuais, e o povo encontrou trabalho. Mas tudo isso a custa de quê? A custa do nosso bom nome no exterior, do nosso crédito, da nossa honra colonial. A Coroa nada lucrou com esse desenvolvimento. E o Brasil é como um trem atrasado, um trem abarrotado de riquezas que, todavia, caminha com extrema lentidão. Não deve ser assim, o trem deve andar mais depressa, e seu movimento será fornecido por trabalho, trabalho, trabalho! E o seu destino será a Coroa, Coroa, Coroa, Coroa! Fala-se mal da Coroa, porém nós sabemos que todos nossos males têm uma só origem e esta como todos sabem se constitui apenas de uma série de contingências. Digo mais: diversas contingências, a maioria das quais originadas no governo passado. Mas nós venceremos, venceremos na medida em que cada um criticar menos e trabalhar mais. Pelo trabalho superaremos ressentimentos e venceremos ódios — ódios tão pouco inerentes à nossa índole generosa! Só vos peço isto: digam comigo — Confiamos no Brasil! Apostamos no Brasil! Critique menos e trabalhe mais!

TODOS EM CORO – Confiamos no Brasil! Apostamos no Brasil! Critique menos e trabalhe mais!

CORO (Marcha Rancho)

Calado, trabalhe mais!

Se o governo é bom ou mal,

Vamos todos melhorar:

Dê seu ouro a Portugal.

Existem muitas colônias,

Que se tornam mais florentes,

Quando pagam suas dívidas

E à Coroa são tementes.

Trabalhe sem entender,

Dê dinheiro e seja ousado.

Pagando somos felizes,

Num País escravizado.

Num País escravizado.

Num País escravizado.

EXPLICAÇÃO 2 CORINGA (em todas as “Explicações” o Coringa é o ator que o interpreta e não um personagem) – Vocês devem estar estranhando quatro coisas. Espero que sejam só quatro porque essas eu posso explicar. Primeiro, as Pilotas. Aposto que vocês ficaram todos na dúvida se elas eram só costureiras ou só prostitutas. Não eram nem só uma coisa nem só outra. Eram as duas coisas ao mesmo tempo. Naquela época não havia especialização. Segundo, a história de desviar o Rio. Tiradentes tinha o projeto de canalizar os rios Andaraí e Maracanã, coisa que na época todos achavam ficção científica. Ele chegou a ser vaiado um dia na ópera por causa disso. Mas veio D. João VI e esse projeto foi executado e até hoje é conhecido como o “Canal do Mangue”. As fiéis Pilotas continuam lá, mas agora totalmente especializadas. Terceiro, por que a troca de Cunha Menezes por Barbacena? Porque à Rainha só interessava um governador das Minas Gerais que fosse fiel, honesto e austero, porque só assim podia ter certeza de que o nosso ouro seria fiel, honesta e austeramente embarcado para Portugal. Quarto, a derrama! Como bom país colonizador, Portugal cobrava imposto sobre tudo. Importação, exportação, escravo, boi, vaca, terra, casa, cabeça… Nasceu príncipe, a colônia paga imposto.  Morreu, paga! Batizou, crismou, fez primeira comunhão, casou, separou, recasou — paga! O príncipe sorriu, paga imposto! Mas mesmo somando tudo isso, D. Maria ainda achava pouco, e lá vinha a Derrama, com soldado na porta, pra cobrir a diferença. Não escapava ninguém, fosse mineiro ou não! O Governo decidia quanto é que cada um tinha de dar e podia reduzir à pobreza quem horas antes fora um potentado. Era o Terror. A revolta era a única solução. (…)

OBS: As fotos deste post são de Derly Marques e estão disponíveis em http://enciclopedia.itaucultural.org.br