Imortais

 

O cenário é um elemento da cena que me chama a atenção. Quando não é nada especial e não atrapalha, é um pouco decepcionante, mas quando é bom e faz parte do espetáculo, é sempre uma alegria!

Nesta peça foi o que aconteceu.

Da mesma forma que começo falando do cenário, poderia falar da iluminação ou da música, ao vivo, que acompanha a peça. São impecáveis!

Mas não pense que por esta razão você ficará prestando atenção nisto. Não! É uma peça envolvente, atrizes dão um show, atuam de maneira a fazer com que você saia do teatro feliz por ter ido até lá.

A peça é densa, as situações são intensas, mas a beleza faz parte. O texto tem passagens lindas e apesar da dureza da qual trata, o humor também perpassa o todo da montagem.

“O enredo traz à tona as diferenças presentes na relação entre gerações, marcados pelo universo da filha e pelo mundo da mãe que, segundo o diretor Newton Moreno, suscitam os questionamentos “entre até onde o contemporâneo e a tradição podem conviver e se retroalimentar e qual a negociação possível entre os dois.”

A filha, interpretada pela atriz Michele Boesche, reencontra a mãe, vivida pela premiada atriz Denise Weinberg, que na iminência do fim, já habita o cemitério a aguardar a morte, e essa última espera que a filha seja a sua Coberta da Alma, cumprindo uma longa tradição fúnebre.

Com a chegada da morte, a presença da filha e o noivo trans, encenado pela atriz Simone Evaristo, emergem segredos do passado bem como inevitáveis atritos: entre mãe e filha; entre a vida e a morte; o masculino e o feminino; entre a liberdade e a moral. Elementos que abrem a reflexão para pensar a morte e o amor, e qual o ideal de pertencimento de cada um e o que, na experiência humana, pode nos fazer imortais.”

Na divulgação feita pelo www.acontecejundiai.com.br sobre a apresentação que ocorreu em Jundiaí em março é possível saber um pouco mais sobre o que encontrar nesta apresentação.

Fique de olho! Aproveite a próxima oportunidade.

As fotos deste post são de João Caldas.

Autor: Newton Moreno
Direção: Inez Viana
Direção de Produção: Emerson Mostacco
Elenco: Denise Weinberg, Michelle Boesche, Simone Evaristo
Figurinos e Visagismo: Leopoldo Pacheco e Carol Badra
Cenário: Andre Cortez
Iluminação: Wagner Pinto ( Wagner Pinto / Wagner Pinto )
Trilha Sonora: Gregory Slivar
Designer: Leonardo Nelli Dias
Fotos De Divulgação e Cena: João Caldas
Realização: Sesc

Alunos em cena: todos dirigem a cena

Para quem?

Todas as idades, a partir de 9 anos.

Condições necessárias

Uma sala que permita movimento.

Materiais necessários

Nenhum

Como acontece?

Divida o grupo de alunos em quatro mesas, como se estivessem em um restaurante. Peça para cada grupo escolher um assunto para conversar e definir qual a relação entre eles, se são um casal, mãe e filha, colegas de trabalho, vizinhos, etc.

Proponha que uma pessoa da classe dirija a cena, colocando foco em uma mesa de cada vez. Este foco pode ser colocado com o uso de uma lanterna, que iluminará a mesa em destaque ou apenas falando o número da mesa que deverá falar alto, de forma a compartilhar sua conversa com a plateia.

A pessoa que dirige deverá alternar as mesas tendo em conta a necessidade de deixar a cena interessante, o que significa buscar momentos das conversas que valham a pena ser compartilhados e também dar oportunidade para todas as mesas.

O diretor ou diretora também poderá dar orientações aos atores/jogadores, de forma a potencializar algum conflito ou para que percebam em quem está o foco.

Este jogo permite que os alunos percebam o todo da cena e está baseado no jogo “Dar e Tomar” da Viola Spolin.

O que faz um diretor?

A palavra diretor está bastante associada a ideia de mandar. Existem diretores em muitos campos de trabalho e os  professores costumam conviver com as diretoras de escolas, cotidianamente.

Desta forma, qual a especificidade do diretor teatral?

Acho a função do diretor muito parecida com a do professor. Sou professora há muitos anos e já dirigi algumas montagens teatrais, seja no teatro-educação ou no teatro-amador. Também já fui assistente de direção do teatro profissional e digo com tranquilidade que são funções que se assemelham.

O diretor teatral tem duas principais funções: ajudar os atores a encontrarem a melhor forma de atuar e terem uma visão do todo do espetáculo.

Para ajudar o ator nesta construção teatral é fundamental ter em mente que o ator possui capacidade de criar, portanto, compete ao diretor encontrar propostas que potencializem esta criação. Dizer a um ator tudo o que ele deve fazer é tirar dele o que existe de mais fascinante no teatro, que é a experiência criativa.

Ter a visão do todo significa fazer costuras entre as necessidades dos atores e as possibilidades para cenário, figurino, iluminação e sonoplastia. O diretor é quem estabelece costuras entre estes diferentes aspectos que compõem uma peça.

Talvez você esteja pensando que em sala de aula, em montagens feitas nas escolas, você, professora assume todas estas funções, fazendo tudo o que for necessário, sem a ajuda de ninguém. É a condição de trabalho de grande parte dos professores e não vejo nenhum problema nisto, embora acredite que uma ajuda é sempre bem vinda!

Trabalhe com seus alunos, possibilite a criação deles, escute as ideias, incorpore as sugestões e faça com que cada um se sinta autor-criador do que será apresentado.

Lembre-se: os alunos não vão para a escola para realizar o teu sonho! Não é a peça que você imaginou que deve ser montada, ainda que isto possa parecer decepcionante para você. Dirigir uma peça que é de todos, observar a felicidade de cada um por ter criado algo é o que há de melhor na vida de uma diretora ou de uma professora.

A foto deste post é de Augusto Boal em 1975, está disponível em http://www.funarte.gov.br.

Cia. Teatro Documentário

Conheci esta companhia teatral por trabalhar em um projeto junto com Marcelo Soler, diretor da companhia.

Assisti “Pretérito Imperfeito”, espetáculo feito em uma casa que me lembrou a casa onde morei toda minha infância e adolescência.

Caminhar pela casa, acompanhando as diferentes narrativas, tão de pertinho com os atores, permitiu mergulhar nas histórias, sentir-se parte. Tudo isso dentro de uma casa que já parecia minha possibilitou uma identificação com o grupo imediata.

No site http://ciateatrodocumentario.com.br, é possível saber sobre as encenações, os projetos e a história desta companhia. Vale a pena entrar lá e ler mais sobre este grupo, além de se informar sobre as próximas apresentações. Aqui um pequeno trecho de sua história:

“A Cia. Teatro Documentário surge oficialmente em 2006; e como o nome indica, estuda as peculiaridades do Teatro Documentário, tanto em termos práticos como teóricos. Em torno dessa concepção o grupo realizou 3 Colóquios sobre aspectos  da presença de documentos na cena teatral.  Marcelo Soler, membro da Companhia, em 2010 publicou pela Editora HUCITEC o livro “Teatro Documentário: a pedagogia da não ficção”. Nesse  mesmo ano o grupo  adquire sua sede.  A “Casa do Teatro Documentário”   que além de ser espaço de ensaio, cursos e lugar para apresentações dos discursos cênicos da companhia, “abriga grupos sem sede”;  realiza oficinas públicas de apropriação da linguagem cênica  documental  e aperfeiçoamento teórico e prático dos artistas da Companhia Teatro Documentário”.

O Santo Inquérito

Esta peça de Dias Gomes, escrita em 1966, continua muito mais atual do que gostaríamos!

A peça trata do julgamento de Branca pela Inquisição. Podemos acompanhar os acontecimentos desde o momento no qual Branca salva o Padre Bernardo e sua condenação final. Os conflitos vividos pelos personagens, as dúvidas provocadas pelo padre na fé tranquila de Branca são decorrente de seu desejo por ela.

A leitura deste texto vale tanto pelo contexto histórico e o conhecimento que esta trama possibilita, como pelas reflexões sobre a fé, a pureza ou a contraposição entre os dogmas e as crenças. Refletir sobre a intolerância presente na Inquisição é uma maneira de olharmos para outras demonstrações de intolerância, vividas de maneira ainda tão intensas.

Dias Gomes é bastante conhecido pela autoria da peça O Pagador de promessas, dentre muitas outras. Além de escrever para o teatro também trabalhou em rádio e foi o autor das novelas Roque Santeiro e O Bem Amado. Tem uma produção enorme, que vale a pena conhecer.

Comece agora lendo um trecho de O Santo Inquérito e continue pelo link: http://escoladacrianca.com.br/ws/wp-content/uploads/2017/03/dias-gomes-o-santo-inquerito.pdf

Primeiro Ato

O palco contêm vários praticáveis, em diferentes planos. Não constituem propriamente um cenário, mas um dispositivo para a representação, que é completado por uma rotunda. É total a escuridão no palco e na platéia. Ouve-se o ruído de soldados marchando. A princípio, dois ou três, depois quatro, cinco, um pelotão. Soa uma sirene de viatura policial, cujo volume vai aumentando, juntamente com a marcha, até chegar ao máximo. Ouvem-se vozes de comando confusas, que também crescem com os outros ruídos até chegarem a um ponto máximo de saturação, quando cessa tudo, de súbito, e acendem-se as luzes. As personagens estão todas em cena: Branca, o Padre Bernardo, Augusto Coutinho, Simão Dias, o Visitador, o Notório e os guardas.

PADRE BERNARDO: Aqui estamos, senhores, para dar início ao processo. Os que invocam os direitos do homem acabam por negar os direitos da fé e os direitos de Deus, esquecendo-se de que aqueles que trazem em si a verdade têm o dever sagrado de estendê-la a todos, eliminando os que querem subvertê-la, pois quem tem o direito de mandar tem também o direito de punir. É muito fácil apresentar esta moça como um anjo de candura e a nós como bestas sanguinárias. Nós que tudo fizemos para salvá-la, para arrancar o Demônio de seu corpo. E se não conseguimos, se ela não quis separar-se dele, de Satanás, temos ou não o direito de castigá-la? Devemos deixar que continue a propagar heresias, perturbando a ordem pública e semeando os germes da anarquia, minando os alicerces da civilização que construímos, a civilização cristã? Não vamos esquecer que, se as heresias triunfassem, seríamos todos varridos! Todos! Eles não teriam conosco a piedade que reclamam de nós! E é a piedade que nos move a abrir este inquérito contra ela e a indiciá-la. Apresentaremos inúmeras provas que temos contra a acusada. Mas uma é evidente, está à vista de todos: ela está nua!

BRANCA: (Desce até o primeiro plano.) Não é verdade!

PADRE BERNARDO: Desavergonhadamente nua!

BRANCA: Vejam, senhores, vejam que não é verdade! Trago as minhas roupas, como todo o mundo. Ele é que não as enxerga! Padre sai, horrorizado.

BRANCA: Meu Deus, que hei de fazer para que vejam que estou vestida? É verdade que uma vez — numa noite de muito calor — eu fui banharme no rio… e estava nua. Mas foi uma vez. Uma vez somente e ninguém viu, nem mesmo as guriatãs que dormiam no alto dos jeribás! Será por isso que eles dizem que eu ofendi gravemente a Deus? Ora, o senhor Deus e os senhores santos têm mais o que fazer que espiar moças tomando banho altas horas da noite. Não, não é só por isso que eles me perseguem e me torturam. Eu não entendo… Eles não dizem… só acusam, acusam! E fazem perguntas, tantas perguntas!

VISITADOR: Come carne em dias de preceito?

BRANCA: Não…

VISITADOR: Mata galinhas com o cutelo?

BRANCA: Não, torcendo o pescoço.

VISITADOR: Come toicinho, lebre, coelho, polvo, arraia, aves afogadas?

BRANCA: Como…

VISITADOR: Toma banho às sextas-feiras?

BRANCA: Todos os dias…

VISITADO: sofrimento. Mas foi para que também o temêssemos e aprendêssemos a dar valor às coisas boas. Deus deve passar muito mais tempo na minha roça, entre as minhas cabras e o canavial batido pelo sol e pelo vento, do que nos corredores sombrios do Colégio dos Jesuítas. Deus deve estar onde há mais claridade, penso eu. E deve gostar de ver as criaturas livres como Ele as fez, usando e gozando essa liberdade, porque foi assim que nasceram e assim devem viver. Tudo isso que estou lhes dizendo, é na esperança de que vocês entendam… Porque eles, eles não entendem… Vão dizer que sou uma herege e que estou possuída pelo Demônio. E isso não é verdade! Não acreditem! Se o Demônio estivesse em meu corpo, não teria deixado que eu me atirasse ao rio para salvar Padre Bernardo, quando a canoa virou com ele!…

PADRE BERNARDO: (Fora de cena, gritando.) Socorro! Aqui del rei! Branca sai correndo. Volta, amparando Padre Bernardo, que caminha com dificuldade, quase desfalecido. Ela o traz até o primeiro plano e aí o deita, de costas. Debruça-se sobre ele e põe-se a jazer exercícios, movimentando seus braços e pernas, como se costuma jazer com os afogados. Vendo que ele não se reanima, cola os lábios na sua boca, aspirando e expirando, para levar o ar aos seus pulmões.

PADRE BERNARDO: (De olhos ainda cerrados, balbucia.) Jesus… Jesus, Maria, José… Ele se vai reanimando aos poucos. Abre os olhos e vê Branca, de joelhos, a seu lado.

PADRE BERNARDO: Obrigado, Senhor, obrigado por terdes atendido ao meu apelo desesperado… Não sou merecedor de tanta misericórdia. (Ele beija repetidas vezes um crucifixo que traz na mão.) Alma de Cristo, santificai-me; Corpo de Cristo, salvai-me; Sangue de Cristo, inebriaime…

BRANCA: Achava melhor o senhor deixar pra rezar depois. Agora era bom que virasse de bruços e baixasse a cabeça pra deixar sair toda essa água que engoliu. Ajudado por ela, ele vira de bruços e baixa a cabeça. Ela pressiona sua nuca, para fazer sair a água. BRANCA Se eu não chego a tempo, o senhor bebia todo o rio Paraíba…

PADRE BERNARDO: (Senta-se, meio atordoado ainda.) A minha canoa?…

BRANCA: A canoa? Seguiu emborcada, rio abaixo. Tinha alguma coisa de valor?

PADRE BERNARDO: Tinha, o cofre com as esmolas…

BRANCA: Muito dinheiro?

PADRE BERNARDO: Bastante.

BRANCA: Agora deve estar no fundo do rio.

PADRE BERNARDO: Só consegui agarrar o crucifixo; tinha de escolher, uma coisa ou outra…

BRANCA: Foi uma pena. Com o dinheiro, o senhor talvez comprasse dois crucifixos. E quem sabe ainda sobrava.

PADRE BERNARDO: Não diga isso, filha!

BRANCA: Por quê?

PADRE BERNARDO: Porque é o Cristo… Não é coisa que se compre. Tivesse eu escolhido o cofre e certamente a esta hora estaria no fundo do rio com ele. Foi Jesus quem me salvou.

BRANCA: (Timidamente.) Eu ajudei um pouco…

PADRE BERNARDO Eu sei. Você foi o instrumento. Não estou sendo ingrato. Sei que arriscou a vida para me salvar.

BRANCA: Não foi tanto assim. O rio aqui não é muito fundo e a correnteza não é lá tão forte. Quando a gente está acostumada…

PADRE BERNARDO: Acostumada?…

BRANCA: Venho banhar-me aqui todos os dias. Sei nadar e salvar alguém que está se afogando. É só puxar pelos cabelos. Com o senhor foi um pouco difícil por causa da tonsura. Tive de puxar pela batina. Me cansei um pouco, mas estou contente comigo mesma. Hoje vai ser um dia muito feliz para mim.

PADRE BERNARDO: Deus lhe conserve essa alegria e lhe faça todos os dias praticar uma boa ação, como a de hoje.

BRANCA: Não é fácil. Acho que as boas ações só valem quando não são calculadas. E Deus não deve levar em conta aqueles que praticam o bem só com a intenção de agradar-Lhe. Estou ou não estou certa?

PADRE BERNARDO: Bem…

BRANCA: Não foi querendo agradar a Deus que eu me atirei ao rio para salvá- lo. Foi porque isso me deixaria satisfeita comigo mesma. Porque era um gesto de amor ao meu semelhante. E é no amor que a gente se encontra com Deus. No amor, no prazer e na alegria de viver. (Ela nota que o Padre se mostra um pouco perturbado com as suas palavras.) Estou dizendo alguma tolice?

PADRE: No fundo, talvez não. Mas a sua maneira de falar… Quem é o seu confessor?

BRANCA: Não tenho confessor. Vivo aqui, no Engenho Velho, que é de meu pai, Simão Dias, que o senhor deve conhecer de nome. Custo a ir à cidade.

PADRE: Não vai à missa, aos domingos, ao menos?

BRANCA: Nem todos os domingos. Mas não pense que porque não vou diariamente à igreja não estou com Deus todos os dias. Faço sozinha as minhas orações, rezo todas as noites antes de dormir e nunca me esqueço de agradecer a Deus tudo o que recebo Dele.

PADRE: Gostaria de discutir com você esses assuntos. Não hoje, porque estamos ambos molhados, precisamos trocar de roupa.

BRANCA: Vamos lá em casa, o senhor tira a batina e eu ponho pra secar. Posso lhe arranjar uma roupa de meu pai, enquanto o senhor espera.

PADRE: (A proposta parece assumir para ele uns aspectos de tentação.) Não… isso não é direito…

BRANCA: Por que não?

PADRE: Já lhe dei muito trabalho por hoje. E preciso voltar o quanto antes ao colégio.

BRANCA: Que colégio?

PADRE: O Colégio dos Jesuítas. Sou o Padre Bernardo.

BRANCA: Lá aceitam moças?

PADRE: Não… só meninos, rapazes.

BRANCA: Por que nunca aceitam moças nos colégios?

PADRE: Porque moças não precisam estudar.

BRANCA: Nem mesmo ler e escrever?

PADRE: Isso se aprende em casa, quando se quer e os pais consentem.

BRANCA: (Com certo orgulho.) Eu aprendi. Sei ler e escrever. E Augusto diz que faço ambas as coisas melhor do que qualquer escrivão de ofício.

PADRE: Quem é Augusto?

BRANCA: Meu noivo. Foi ele quem me ensinou. Mas foi preciso que eu insistisse muito e quase brigasse com meu pai. É tão bom.

PADRE: Ler?

BRANCA: Sim. Sabe as coisas que mais me divertem? Ler estórias e acompanhar procissão de formigas. (O Padre ri.) Sério. Tanto nos livros como nas formigas a gente descobre o mundo. (Ri.) Quando eu era menina, conhecia todos os formigueiros do engenho. O capataz botava veneno na boca dos buracos e eu saía de noite, de panela em panela, limpando tudo. Depois ia dormir satisfeita por ter salvo milhares de vidas. O Padre espirra.

BRANCA: Oh, mas o senhor com essa roupa molhada no corpo e eu aqui contando estórias. O senhor me desculpe…

PADRE: Não tenho de que desculpá-la, tenho que lhe agradecer, isto sim. Gostaria muito de continuar a ouvir as suas estórias. Todas, todas as estórias que você tiver para me contar.

BRANCA: Pois venha, venha nos visitar lá no engenho. Eu me chamo Branca. Ela beija a mão que ele lhe estende.

PADRE: Branca… você é um dos tesouros do Senhor. Preciso cuidar de você. (Sai.)

Alunos em cena: jogando com texto

Para quem?

Todas as idades, desde que saibam ler com fluência.

Condições necessárias

Uma sala que permita movimento, de preferência sem muito barulho.

Materiais necessários

Cópias de um mesmo trecho de um texto teatral.

Como acontece?

Entregue uma folha para cada aluno com um trecho de uma peça teatral reproduzido em um tamanho de letra que seja possível ler se movimentando.

Proponha que todos leiam o texto diversas vezes, caminhando pela sala. Esta primeira leitura tem o objetivo de que o grupo conheça o texto e entenda o que está falando.

Peça que cada aluno escolha uma frase do texto e repita-a diversas vezes com intenções variadas, explorando as diferentes maneiras de dizer este mesmo trecho.

Faça uma roda e proponha que o texto seja dito por todos, cada um falará uma frase, buscando variedade na maneira de falar.

Para fazer antes

Proponha um aquecimento vocal, no qual os alunos irão explorar a projeção de voz, o ritmo da fala, a altura – mais grave ou mais agudo – e o volume alto ou baixo. Também é importante usar os intervalos da fala, brincar com a respiração e com as muitas maneiras de falar que temos.

Para fazer depois

Divida o grupo conforme o número de personagens da cena escolhida e proponha que apresentem esta cena uns para os outros. Será interessante observar como a forma de falar irá interferir na encenação e no sentido que o texto pode ganhar.

Como escolher um texto?

No ensino de teatro é muito difícil escolher um texto para montar uma peça com os alunos, sejam da idade que forem!

Talvez a principal dificuldade seja do número de alunos em contraposição ao número de personagens. Quase todas as peças tem poucos personagens e quase todas as salas de aula tem muitos alunos. É uma conta que não fecha!

A situação só piora quando observamos o número de personagens que tem alguma importância no enredo. Dois exemplos clássicos de montagens feitas na Educação Infantil e nos primeiros anos do Fundamental: Os três porquinhos – 4 personagens e Chapeuzinho Vermelho – 5 personagens.

Os poucos alunos considerados capazes irão fazer alguns destes personagens. Para os demais sobram as árvores, os pássaros, os bichinhos da floresta ou alguma invenção humana feita pela professora.

A tentativa de encaixar uma turma de 25 alunos em uma apresentação com 5 personagens, quase nunca funciona. Alunos chateados, irrequietos e que chegam a conclusão de que fazer teatro é muito chato!

Como fazer? Mudar a forma de pensar texto para alunos pequenos. Buscar personagens coletivos. Buscar histórias nas quais muitos personagens interajam. Fazer com que várias crianças interpretem o mesmo personagem.

É possível encontrar diferentes soluções, o que fundamenta a busca é ter claro que o mais importante na apresentação é possibilitar a criação cênica com o corpo e com a voz, portanto a escolha do texto e as opções sobre como apresentar não podem colocar o texto na frente das crianças.

Grupo XIX de Teatro

Conheci o Grupo XIX de Teatro assistindo a peça Hysteria, que me encantou, não apenas pela temática, mas principalmente pela delicadeza com a qual trataram as mulheres presentes, em cena ou na plateia.

O fato de nos sentarmos em meio a cena, apenas as mulheres, causou um estranhamento imediato. Casais separados para ver o espetáculo, assim como foram apartadas do direito de viver socialmente tantas mulheres consideradas histéricas.

O momento em que uma das personagens pega na minha mão e fica ao meu lado por alguns momentos, me fez ser conduzida por estas situações e sofrimentos vividos por tantas mulheres.

As fotos do Grupo XIX deste post são de Guto Muniz.

 

No site do grupo é possível conhecer este e outros trabalhos realizados. Se você acessar a página www.grupoxix.com.br encontrará esta história:

“O grupo XIX de teatro tem um trabalho contínuo de 12 anos, com uma pesquisa temática e dramaturgia própria, uma pesquisa estética de exploração de prédios históricos como espaços cênicos e uma investigação sobre a participação ativa do público.

O grupo mantém em repertório suas cinco peças: HysteriaHygieneArrufos, Marcha para Zenturo e Nada aconteceu Tudo acontece Tudo está acontecendo. Somando suas trajetórias o grupo XIX de teatro já se apresentou em 73 cidades de 16 estados nas 5 regiões brasileiras, totalizando mais 1000  apresentações atingindo um publico estimado de 75.000 pessoas.  (…) Desde 2004 o grupo XIX de teatro realiza sua residência artística na Vila Maria Zélia na Zona Leste de São Paulo. A estada do grupo nestes prédios públicos tem não só chamado a atenção para a necessidade do restauro e preservação destes espaços, como também apontado a vocação cultural dos mesmos. As longas temporadas das peças do grupo XIX colocaram a Vila Maria Zélia no mapa Cultural Brasileiro. Prova maior disso é que hoje outros coletivos, inclusive de outras cidades, também cumprem suas temporadas no local.

Este movimento tem impulsionado ainda mais um outro importante projeto do grupo: Os Núcleos de Pesquisa. Os Núcleos são coletivos formados a partir de seleções que já chegaram a atingir o número de 400 inscritos, que ao longo do ano sob a orientação dos artistas do grupo XIX de teatro, desenvolvem diversas pesquisas nas áreas de atuação, direção, dramaturgia, corpo e direção de arte. No total mais de 1000 artistas já participaram destas atividades e delas têm surgido novos coletivos teatrais de destaque como o Teatro da Travessia, Teatro do Fubá dentre outros.”

Fique atento, entre na página, veja um de seus espetáculos!

Pluft, o fantasminha.

Esta peça é, com certeza, uma das mais conhecidas peças infantis brasileiras. Escrita por Maria Clara Machado, foi ao palco pela primeira vez no Tablado no Rio de Janeiro, em setembro de 1955, com cenário de Napoleão Moniz Freire, figurinos de Kalma Murtinho, sonoplastia de Edelvira Fernandes e Martha Rosman e direção de Maria Clara Machado.

Vale a pena conhecer a obra desta autora, que tem quase 30 peças infantis!

Neste texto é possível observar o conhecimento do teatro de Maria Clara Machado, pelas indicações feitas seja para o cenário, figurino ou para a atuação. Enquanto lemos é possível imaginar a cena dentro do sótão e se divertir com o fato inusitado de um fantasminha que tem medo de gente.

Leia um trecho da peça neste post e termine a leitura no link: http://www.pilha.vrc.puc-rio.br/pilha6/pdf/pluft.pdf

 

As duas imagens deste posta são montagens do Tablado , a primeira de 1955 e a segunda de 2014.

ATO ÚNICO

Cenário: Um sótão. À direita uma janela dando para fora de onde se avista o céu. No meio, encostado à parede do fundo, um baú. Uma cadeira de balanço. Cabides onde se vêem, pendurados, velhas roupas e chapéus. Coisas de marinha. Cordas, redes. O retrato velado do capitão Bonança. À esquerda, a entrada do sótão. Ao abrir o pano, a Senhora Fantasma faz tricô, balançando-se na cadeira, que range compassadamente. Pluft, o fantasminha, brinca com um barco. Depois larga o barco e pega uma velha boneca de pano. Observa-a por algum tempo.

PLUFT: Mamãe!

MÃE: O que é, Pluft?

PLUFT: (Sempre com a boneca de pano) Mamãe, gente existe?

MÃE: Claro, Pluft. Claro que gente existe.

PLUFT: Mamãe, tenho tanto medo de gente! (Larga a boneca.)

MÃE: Bobagem, Pluft.

PLUFT: Ontem passou lá embaixo, perto do mar, e eu vi.

MÃE: Viu o que, Pluft?

PLUFT: Vi gente, mamãe. Só pode ser. Três.

MÃE: E você teve medo?

PLUFT: Muito, mamãe.

MÃE: Você é bobo, Pluft. Gente é que tem medo de fantasma e não fantasma que tem medo de gente.

PLUFT: Mas eu tenho.

MÃE: Se seu pai fosse vivo, Pluft, você apanharia uma surra com esse medo bobo. Qualquer dia destes eu vou te levar ao mundo para vê-los de perto.

PLUFT: Ao mundo, mamãe?!!

MÃE: É, ao mundo. Lá embaixo, na cidade…

PLUFT: (Muito agitado vai até a janela. Pausa.) Não, não, não. Eu não acredito em gente, pronto…

MÃE: Vai sim, e acabará com estas bobagens. São histórias demais que o tio Gerúndio conta para você. (Pluft corre até um canto e apanha um chapéu de almirante.)

PLUFT: Olha, mamãe, olha o que eu descobri! O que é isto?!

MÃE: Isto tio Gerúndio trouxe do mar. (Pluft fora de cena continua a descobrir coisas, que vai jogando em cena: panos, roupas, chapéus etc.)

PLUFT: Por que tio Gerúndio não trabalha mais no mar, hem, mamã?

MÃE: Porque o mar perdeu a graça para ele…

PLUFT: (Sempre remexendo, descobre um espartilho de mulher) E isto, mamãe, (aparecendo) que é isso? Ele trouxe isto também do mar? (Coloca o espartilho na cabeça e passeia em volta da mãe.)

Alunos em cena: qual o papel do público?

Para quem?

Todas as idades, a partir de 7 anos.

Condições necessárias

Uma sala na qual o grupo de alunos se divida entre palco e plateia.

Materiais necessários

Nenhum

Como acontece?

Peça que metade dos alunos fique em pé, como se estivesse em cena e a outra metade, sentada, observando-os, como plateia.

Oriente o grupo que está como plateia a observar atentamente o que os demais estão fazendo.

Passado algum tempo, peça que o grupo que está no palco faça uma ação simples, como contar os azulejos do piso, ou as lâmpadas da sala ou qualquer coisa em número suficiente para entreter por um tempo os participantes.

Depois que metade do grupo estiver como público troque as posições e repita a proposta, alterando o que será contado.

Quando terminar os dois grupos, questione como as pessoas se sentiram ao estarem no palco sendo observadas sem ter nada para fazer e se mudou quando estavam contando.

Pergunte também para a plateia o que observaram. A proposta deste jogo é dupla, tanto possibilitar aos atores a percepção de que quando estamos em cena é importante ter algo a fazer, o que não significa estar em movimento, mas ter uma ação dramática; quanto permitir a reflexão de que a plateia é parte do jogo, é parte da cena.

Se a plateia não está envolvida, atenta, interagindo com a cena, nada acontece. A percepção de que a plateia é parte da apresentação irá possibilitar o envolvimento de todos. Frases como: “Silêncio! Olha para frente! Fica quieto! Não fica se mexendo!” são desnecessárias quando a plateia está envolvida com o que está sendo apresentado a ela.

Quando você, professora, observa a necessidade de orientar teu grupo de alunos para um comportamento adequado ao teatro, busque frases que levem à conexão com a apresentação, tais como: “Observem os detalhes! Escutem o que está sendo dito! Estabeleça conexão com a cena! Se envolva com os atores!”

OBS: Este jogo foi proposto por Viola Spolin e se chama Exposição. Está descrito no livro “Improvisação para o teatro”.

A imagem deste post está disponível em https://ciavostraz.wordpress.com/2011/08/17/463/.