Visitando Sr. Green

Ver um ator como Sérgio Mamberti em cena é algo que faz com que qualquer plateia se sinta encantada com esta forma de Arte. Para além da qualidade da peça, sua atuação nos envolve, faz com que fiquemos entre a admiração de ver alguém com seu histórico de ator e as angústias vividas pelo personagem.

Fotos: Indiara Duarte, retirada de https://www.sescsp.org.br/online/artigo/10964

O programa da peça faz sua descrição neste texto: “Um pequeno acidente de trânsito nas ruas de Nova York, que quase resultou num atropelamento, acaba provocando a aproximação entre o Sr. Green, um velho e solitário judeu ortodoxo, e Ross Gardner, um jovem executivo de 29 anos, que foi acusado de negligência na direção. O juiz Kruger decide que a pena consiste em prestar serviço comunitário junto à vítima uma vez por semana, pelos próximos seis meses. A partir disso, a ação se passa no velho apartamento de Sr. Green e revela pouco a pouco a personalidade e a história de cada um.”

Fotos: Indiara Duarte

A atualidade da peça se evidencia tanto pelo fato de a intolerância continuar sendo motivo de conflitos permanentes em todo o mundo, como por vivermos o preconceito relativo ao homossexualismo ou a pouca inclusão de velhos na nossa sociedade. A solidão perpassa as histórias, que se cruzam na necessidade de cada um encontrar alguém que possa estabelecer pontes, o que só será possível pelo afeto construído neste convívio obrigatório.

Os dois atores emocionam, os elementos da cena compõem com a atuação, com a proposta, com a concepção. Ninguém rouba a cena! Mesmo Sérgio Mamberti, que poderia roubar, divide, compartilha, demonstra sua generosidade com o público e com a equipe.

 

Ficha técnica:

Fotos: Indiara Duarte

Autor: Jeff Baron

Tradutora: Rachel Ripani

Direção: Cassio Scapin

Assistente de direção: Ando Camargo

Elenco: Sergio Mamberti e Ricardo Gelli

Cenário: Chris Aizner

Figurino: Fabio Namatame

Luz: Wagner Freire

Trilha sonora: Daniel Maia

Direção de produção: Carlos Mamberti

Patrocínio: Porto Seguro

Vi este espetáculo no SESC Jundiaí, não encontrei referências sobre onde e quando estarão em cartaz, mas vale a pena ficar de olho!

É preciso figurino para fazer teatro?

É preciso figurino para fazer teatro?

Para respondermos a esta pergunta, vamos antes entender o que é o figurino.

Figurino é a roupa, o adereço, o enfeite de cabeça ou de corpo que é utilizado pelos atores quando fazem teatro. Ele pode ter sido escolhido, criado por algum figurinista ou apenas ser a roupa que o ator usava no momento da cena. Mesmo que seja a roupa de ensaio, quando utilizada em cena, passa a ser o figurino escolhido.

Imagem retirada do vídeo O avesso do figurino disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bKN9FIKmis8

 

Ao pensarmos desta forma, sempre haverá um figurino em cena, mesmo que seja o uniforme utilizado por alunos em uma sala de aula. Fausto Viana fala sobre figurinos em sua dissertação de mestrado:

“O figurino é qualquer peça que será portada pelo corpo do ator em cena, fazendo parte do conjunto visual que ele apresenta, independente do espaço cênico. A roupa é fundamental e interage com todos os elementos que compões o espetáculo: a iluminação pode alterar a sua cor, a coreografia pode ser prejudicada, o cenário pode apagar seu efeito. Até mesmo uma marcação de cena pode tornar o figurino inútil ou desnecessário, se o ator não aparecer.

E o oposto também é verdadeiro: todas as funções citadas acima podem ser realçadas pelo figurino. Da interação surge um trabalho harmonioso. A luz pode transformá-lo, aumentando ou diminuindo-o! O cenário ganha nova vida com peças de vestuário adequadas. Uma coreografia torna-se mais graciosa com tecidos leves sugerindo múltiplos efeitos aéreos…

Tudo isso para compor o espetáculo teatral.”

O figurino conta muito sobre o personagem, ele possibilita que saibamos mais sobre diversas características como a idade, a classe social ou o estilo de vida, mas não é o figurino que compõe um personagem e sim a interpretação. Por mais incrível que seja um figurino, ele não sustenta um personagem se o trabalho do ator for ruim.

Imagem retirada do texto Trabalho do Figurinista, disponível em: https://issuu.com/indepininstituto/docs/o_trabalho_do_figurinista_-_arquivo

 

Mas como pensarmos o figurino para o ensino de teatro? Será que ele é sempre necessário?

Eu acho que não!

 

 

O trabalho realizado com alunos pode ser feito sem qualquer figurino, pois o que nos interessa primordialmente é a descoberta das possibilidades expressivas. O que mais queremos é que os alunos descubram maneiras de se expressarem corporalmente, explorando gestos que nos contem sobre seus personagens, mesmo sem nenhuma roupa para ajudá-los nesta composição.

Isto significa que não devemos usar figurinos?

Claro que podemos usar figurinos, mas não é uma obrigação! Não deve ser usado em qualquer situação, em qualquer improvisação. E mais importante, não pode chamar mais a atenção que os gestos do ator.

O figurino precisa sem pensado como parte da composição do personagem, portanto ele não pode chegar à cena somente no dia da apresentação, ele tampouco pode ser algo que atrapalhe os alunos nos seus movimentos ou na projeção de sua voz.

Uma das possibilidades é que os alunos construam seus figurinos, seja com o uso de diferentes roupas disponíveis para tal, seja com a ajuda de uma costureira.

Existem figurinos maravilhosos e figurinistas que fazem um trabalho incrível! Vale a pena conhecer um pouco para que você se inspire, mostre para seus alunos e descubra as muitas maneiras possíveis de criar um personagem.

Ocupação cenográfica assinada por Laura Vinci, imagem retirada de: http://mangacenografica.blogspot.com.br/2010/05/

Para saber mais:

Rosane Muniz em Vestindo os Nus (Rio de Janeiro: Editora SENAC, 2004) conta a história do figurino de teatro no Brasil. Relaciona o figurino ao trabalho do ator, à crítica e à direção, analisa o trabalho de Gianni Ratto e de Kalma Murtinho, além de entrevistar diversos figurinistas brasileiros.

 

 

Figurino Teatral e as renovações do século XX (São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010) é um livro que investiga as raízes dos processos contemporâneos da criação de trajes teatrais. Fausto Viana analisa a evolução histórica do figurino no teatro ocidental, pela pesquisa de sete encenadores: Adolphe Appia, Edward Gordon Craig, Konstantin Stanislavski, Max Reinhardt, Antonin Artaud, Bertold Brecht e Ariane Mnouchkine.

O Fantástico mistério de Feiurinha

Esta peça foi escrita por Pedro Bandeira, autor de inúmeros livros infantojuvenis e desta peça divertidíssima! Se a primeira postagem que fiz sugeriu um texto difícil de ler, pela linguagem nele utilizada, esta é fácil, seja pela linguagem, seja pelo fato de se tratar de personagens conhecidíssimos, princesas de diversos contos de fadas.

As fotos deste post são do acervo da autora, feitas com um grupo de alunos de Colégio Guilherme Dummont Villares.

A peça se passa muito tempo depois do “Felizes para sempre…” e mostra o que aconteceu com as princesas depois de muitos anos de casadas! Como muitos livros de Pedro Bandeira, existe um mistério a ser descoberto, que você só irá descobrir lendo a peça.

Para dar um gostinho de quero mais, aí vai um trecho do texto. Leia todo ele no link: http://www.bibliotecapedrobandeira.com.br/pdf/feiurinha.pdf

No salão do castelo, Dona Branca Encantado está sentada em sua cadeira de espaldar alto, tricotando um sapatinho de lã. Está visivelmente grávida. Entra Caio, o lacaio. Curva-se respeitosa e espalhafatosamente e anuncia:

Caio: Alteza, a senhorita Vermelho acaba de chegar ao castelo e pede…

Branca: Chapeuzinho Vermelho? Que ótimo! Peça que entre. Vamos, Caio, rápido!

Caio inclina-se, afasta-se um pouco e estende o braço, ainda inclinado, em direção à porta. Entra Dona Chapeuzinho Vermelho. O papel deve ser feito por uma atriz bem pequena, talvez algo gorducha, de boa veia cômica. Está vestida como Chapeuzinho Vermelho e traz pendurada no braço a famosa cestinha com os doces para a Vovó. Dona Branca corre para abraçar a amiga.

Branca: Chapeuzinho Vermelho! Querida! Há quanto tempo! Como vai a Vovozinha?

Chapéu: Branca!

As duas dão-se três beijinhos nas faces.

Chapéu: Um… dois… e três! Pra ver se eu caso, Branca! Ai, ai! Sou uma das poucas neste País das Fadas que não é princesa! Também… você sabe, não é?

Branca: Sei, Chapéu! A sua história terminou dizendo que você ia ser feliz para sempre ao lado da Vovozinha e o autor esqueceu de fazer aparecer um Príncipe Encantado no final pra casar com você. Por isso, você ficou encalhada…

Chapéu: Também não precisa falar assim… Eu estou solteira mas… Quem sabe, não é?

Branca: Ora, você tem a Vovó para lhe fazer companhia…

Chapéu: E quem quer uma avó caduca daquelas? Eu quero é um príncipe!

Dona Branca olha fixamente para Chapeuzinho, tentando confortá-la.

Branca: Coragem, Chapeuzinho!

Chapéu: Branca, por que você tem esses olhos tão grandes?

Branca: Ora, deixe de besteira, Chapéu!

Chapéu: Ahn… quer dizer… Desculpe, Branca. É que eu sempre me distraio… Sabe? Estou sempre pensando na minha história. Não fosse a falta do príncipe… A minha história é tão linda, com o Lobo Mau, tão terrível, e o Caçador, tão valente…

Branca: Até que a sua história é passável, Chapéu. Mas linda mesmo é a minha, que tem espelho mágico, maçã envenenada, bruxa malvada, anõezinhos e até caçador generoso!

Alunos em cena: Sons do corpo

Esta proposta tem como objetivo explorar os sons produzidos pelo corpo e pela voz.

Para quem?

Todas as idades

Condições necessárias

Uma sala com espaço para que todos se movimentem

Materiais necessários

Nenhum

Foto retirada de http://barbatuques.com.br/pt/

Como acontece?

Proponha aos alunos a exploração dos sons que o corpo pode produzir. É importante diferenciar os sons produzidos pelos gestos daqueles emitidos pela voz. Em cada um deles temos muitas variáveis possíveis: produzimos sons batendo uma parte do corpo contra outra, como as palmas ou as mãos nos braços, nas pernas, na barriga, na cabeça ou em qualquer outra parte. Também podemos produzir sons esfregando diferentes partes do corpo. A fricção das palmas das mãos não é igual àquela produzida somente pelos dedos ou pelos pés.

Outra maneira de produzirmos sons corporais resulta do contato do corpo ou de partes dele com objetos ao nosso redor, como o chão, a mesa, a parede. Claro que esta proposta pode se ampliar enormemente, ao toque de muitos objetos, gerando múltiplos e diversos sons, mas então estaremos tirando o foco dos sons do corpo.

Na exploração dos sons produzidos pela voz, podemos trabalhar a imitação de diferentes sons do meio ambiente. Proponha aos alunos alguns e depois peça que façam sugestões.

Em todas estas explorações sonoras é possível ter em mente as variações decorrentes dos parâmetros do som, isto é: altura, intensidade, duração e timbre. Para explorá-los, brinque com o ritmo, faça um som mais alto e mais baixo ou mais grave e mais agudo.

Esta proposta pode ser repetida muitas vezes, pois novas descobertas sonoras serão feitas, outros sons serão gerados, com diferentes maneiras de explorá-los. É bom lembrar que a diversidade sonora e a consciência de que podemos utilizar muitos recursos com o corpo e com a voz são importantes instrumentos  para criar diferentes personagens.

Dica

A audição de sons, seja do meio ambiente, seja de gravações reproduzidas com esse propósito poderá ampliar enormemente a diversidade das experimentações. Muitas vezes, a criação fica restrita porque os alunos têm pouco repertório musical e sonoro. Aprender a escutar é uma ótima maneira de ampliar as possibilidades criativas.

Um grupo musical que se utiliza de diferentes sons corporais é o Barbatuques. Se você nunca ouviu nada deles, vale a pena conhecer e, quem sabe, depois mostrar também aos seus alunos! Para conhecer mais, veja: http://barbatuques.com.br

Teatro para bebês: Scaratuja

Difícil dizer o que é mais encantador, se a montagem feita para os bebês ou a expressão deles enquanto assistem à apresentação.

Assisti à peça Scaratuja na Semana Mundial do Brincar, no SESC Jundiaí, e a maior parte do público parecia ter menos de um ano, mas foi lindo ver a atenção que prestavam aos atores e a vontade de interagir quando possível!

Na página do grupo encontramos uma narrativa sobre a construção deste espetáculo:

“Dentre as inúmeras ideias suscitadas, neste primeiro trabalho optamos pela linguagem não verbal, pela exploração do corpo e espaço e pela relação estabelecida entre a criança e as imagens.
Partindo de um emaranhado de linhas, traços, pontos e círculos, temos a ideia central do espetáculo.

Os “rabiscos” ou garatujas vão ganhando complexidade ao longo da encenação que coincide com o desenvolvimento das crianças, estimulando o crescimento cognitivo e expressivo.

Um tapete tátil com diferentes texturas nos serve como palco, é o chão; a base da cena e ao final torna-se uma área de investigação para o público mirim.”

É nesse tapete com diferentes tons de branco que os dois atores entram, envoltos em um tecido de onde aos poucos saem e, enquanto exploram movimentos, que me fizeram imaginar um pintinho prestes a sair de um ovo, um menino comentou: “O pé dele vai quebrar!”.  Acho que ele se referia ao tecido, que para mim ficou parecendo uma casca de ovo.

No decorrer das cenas os atores se utilizam de diferentes objetos: fitas, elásticos, uma bolinha macia e vermelha, arames encapados e felpudos que são manipulados, virando brincadeira entre eles, estabelecendo parceria e interação também com o público.

A pesquisa de gestos e de sons denota o conhecimento do universo dos bebês. A suavidade domina a cena, o que não significa lentidão ou monotonia. Os ritmos dos gestos variam, mas respeitam o tempo do bebê.

A repetição se faz presente, e em vários momentos fiquei com vontade de brincar junto com eles, de rolar naquele tapete macio e cheio de surpresas.

Vale a pena conferir! O espetáculo fará nova temporada  de 06 a 27/08, no Teatro Folha – Shopping Pátio Higienópolis, em SP, sempre aos domingos, às 11h. Se você tem a sorte de ter um bebê para levar, não deixe de aproveitar, mas se você, como eu, não tiver um bebê disponível, entre em contato e verifique a possibilidade de assistir sem bebês! Eu pude, e junto comigo estavam várias educadoras.

Para quem quiser saber mais, o site aqui indicado revela muito, inclusive a equipe que elaborou esse trabalho:

As fotos deste post foram retiradas do site do grupo: http://catarsis.com.br/catarsis/scaratuja/

FICHA TÉCNICA
Concepção e direção: Marcelo Peroni
Criação: Aline Volpi, Marcelo Peroni e Vladimir Camargo
Dramaturgia final: Marcelo Peroni
Elenco: Aline Volpi e Vladimir Camargo
Orientação pedagógica: Livia Brigoni Balanin
Apoio Técnico: Ana Paula Castro
Projeto cenográfico e de figurinos: Aline Volpi, Marcelo Peroni e Vladimir Camargo
Projeto de luz: Rodrigo Gatera
Execução cenográfica: Edivaldo Zanotti
Trilha sonora: Poin – Pequena Orquestra Interativa
Músicas originais: Gustavo Finkler
Letrista: Jackson Zambelli
Participação especial trilha sonora: Renata Mattar
Fotos: Lucas Trabachini
Ilustrações: Henrique Brigoni Balanin
Produção: Catarsis Produções
Assessoria de imprensa: Adriana Monteiro
Duração espetáculo: 25 minutos
Idioma: linguagem não verbal
Faixa etária recomendada: bebês até 3 anos

O som da cena

Talvez seja estranho pensar no som da cena! Cena teatral tem som? O som não é apenas a fala dos personagens? O som da cena também pode ser chamado de sonoplastia, e podemos compreender o que é a sonoplastia a partir da escuta dos sons que existem nas nossas “cenas” cotidianas.

Vivemos rodeados de sons. Se você escutar o lugar onde está neste momento,  perceberá que, por mais silencioso que seja, está repleto de sons. Murray Schafer denominou esta situação de “paisagem sonora”. Quem se interessar por este assunto encontrará diversas publicações a respeito – há muito material a pesquisar.

Jean-Jacques Roubine, em seu livro A linguagem da encenação teatral (1998, Editora Zahar), afirma:

Os naturalistas foram os primeiros a se interrogar sobre a sonorização do espaço cênico. E se a tradicional música de cena habitualmente usada para manter um certo clima durante as pausas impostas pelas mudanças de cenários lhes aparecia como um artifício parasitário do qual era necessário se livrar, a sonoplastia, pelo contrário, era capaz, na sua opinião, de interferir com eficiência para reforçar a ilusão visual através de sua verdadeira paisagem sonora.

Os recursos para compor o ambiente sonoro são muitos e vão variar conforme a proposta da peça: pode existir a intenção de que a sonoplastia leve a plateia a se sentir no espaço no qual a cena ocorre, mas também se pode desejar que a sonoplastia traduza as emoções dos personagens, recurso bastante utilizado nas novelas. Ou, ainda, a sonoplastia pode buscar um contraponto, causando um estranhamento entre o que se vê e o que se ouve – tudo dependerá, como eu já disse, da proposta da montagem.

O uso de músicas, ruídos, canto, sejam eles executados ao vivo, pelos atores, sejam gravações reproduzidas durante a apresentação, é possível e bastante comum. Porém, é importante pensarmos que existe, inclusive, a escolha por não utilizar nenhuma sonoplastia, também como parte da concepção da cena. Seja o som pensado e escolhido ou o som do espaço no qual a apresentação ocorre, ele fará parte da cena.

Para saber mais:

Se você quer conhecer mais sobre o assunto, pode pesquisar no livro A sonoplastia no teatro, de Roberto Gil Camargo, ou na tese de Fabio Cintra, A musicalidade como arcabouço da cena: caminhos para uma educação musical no teatro, que estabelece relações entre a música e a cena teatral, enfocando a improvisação como espaço comum (Disponível aqui.)

Vestido de noiva

 

Escolher de qual autor brasileiro será meu primeiro post não foi tarefa fácil. O bom é sabermos que temos tantos para ler! Escolhi Nelson Rodrigues, e a peça foi Vestido de noiva.

Não há dúvida de que Nelson Rodrigues é um autor polêmico, tão polêmico quanto reconhecido.  Escreveu muitas peças, que Sábato Magaldi classifica em peças psicológicas, peças mitológicas e tragédias cariocas. Mas Nelson também escreveu crônicas e outros diversos gêneros textuais.

Seus textos apresentam diferentes facetas das relações humanas, no que diz respeito às relações sociais, a suas regras e costumes, aos conflitos familiares e à psique humana. As muitas tramas vividas por seus personagens envolvem o amor, o sexo, as brigas, a angústia! Não há como ter dúvida de que a vida corre de forma pulsante nas obras deste autor.  Talvez você, leitor, considere que a sua própria vida é mais simples, sem tantos conflitos, sem tanta angústia. Será?

 

Foto de Chico Nelson, de montagem dirigida por Ziembinski, em 1943 (Disponível em: http://vejasp.abril.com.br).

Vestido de noiva teve uma encenação marcante para o teatro brasileiro, que foi a dirigida por Ziembinski, em 1943, de que reproduzimos a foto anterior. De lá para cá já houve muitas outras, feitas por grupos e atores importantes no teatro nacional.

A peça se passa em três planos que se intercalam: o plano da alucinação, o plano da realidade e o plano da memória. Como uma boa peça rodrigueana, acompanhamos os conflitos de Alaíde e a relação com sua irmã, perpassada pela paixão por um mesmo homem.

Se as tramas propostas são imbricadas, o texto é fluido, fácil de ler, de mergulharmos nestas relações. É um texto escrito para teatro que nos permite imaginar as cenas. São tantas as possibilidades de imaginarmos soluções para montagens, que sempre podemos ver mais uma!

 

Foto de João Caldas, disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br

Leia a seguir, neste post, um pequeno trecho desta peça e, se quiser ler a versão completa, vá para o link: http://semac.piracicaba.sp.gov.br/ceta/vestidodenoiva.pdf

 (2 mesas e 3 mulheres desaparecem. Duas mulheres – levam 2 cadeiras. As duas mesas são puxadas para cima. Surge na escada uma mulher. Espartilhada, chapéu de plumas. Uma elegância antiquada de 1905. Bela figura. Luz sobre ela.)

ALAÍDE (num sopro de admiração) – Oh!

MADAME CLESSI – Quer falar comigo?

ALAÍDE (aproximando-se, fascinada) – Quero, sim. Queria…

MADAME CLESSI – Vou botar um disco. (dirige-se para a invisível vitrola, com Alaíde atrás.)

ALAÍDE – A senhora não morreu?

MADAME CLESSI – Vou botar um samba. Esse aqui não é muito bom. Mas vai assim mesmo. (Samba surdinando.)

MADAME CLESSI – Está vendo como estou gorda, velha, cheia de varizes e de dinheiro?

ALAÍDE – Li o seu diário.

MADAME CLESSI (céptica) – Leu? Duvido! Onde?

ALAÍDE (afirmativa) – Li, sim. Quero morrer agora mesmo, se não é verdade!

MADAME CLESSI – Então diga como é que começa. (Clessi fala de costas para Alaíde)

ALAÍDE (recordando) – Quer ver? É assim… (ligeira pausa) “ontem, fui com Paulo a Paineiras”… (feliz) É assim que começa.

MADAME CLESSI (evocativa) Assim mesmo. É.

ALAÍDE (perturbada) – Não sei como a senhora pôde escrever aquilo! Como teve coragem! Eu não tinha!

MADAME CLESSI (à vontade) – Mas não é só aquilo. Tem outras coisas.

ALAÍDE (excitada) – Eu sei. Tem muito mais. Fiquei!… (inquieta) Meu Deus! Não sei o que é que eu tenho. É uma coisa – não sei. Por que é que eu estou aqui?

MADAME CLESSI – É a mim que você pergunta?

ALAÍDE (com volubilidade) – Aconteceu uma coisa, na minha vida, que me fez vir aqui. Quando foi que ouvi seu nome pela primeira vez? (pausa) Estou-me lembrando! (Entra o cliente anterior com guarda-chuva, chapéu e capa. Parece boiar.)

ALAÍDE – Aquele homem! Tem a mesma cara do meu noivo!

MADAME CLESSI – Deixa o homem! Como foi que você soube do meu nome?

ALAÍDE – Me lembrei agora! (noutro tom) Ele está-me olhando. (noutro tom, ainda) Foi uma conversa que eu ouvi quando a gente se mudou. No dia mesmo, entre papai e mamãe. Deixe eu me recordar como foi. Já sei! Papai estava dizendo: “O negócio acabava…” (Escurece o plano da alucinação. Luz no plano da memória. Aparecem pai e mãe de Alaíde.)

Ficou com vontade? Não deixe de ler!

 

Alunos em cena: criando cenários

Esta proposta une a improvisação com a criação de cenários, o que permitirá que as crianças compreendam melhor a função de um cenário e explorem como se relacionar com ele.

Para quem?

Crianças de 0 a 6 anos

Condições necessárias

Uma sala com espaço para que todos se movimentem

Materiais necessários

Objetos do cotidiano, caixas, panos, bolas e materiais da natureza

Foto de Jason de Caires, retirada do site http://www.underwatersculpture.com

Como acontece?

Conte uma história para as crianças, na qual o espaço seja bem caracterizado. A história pode ser inventada por você ou pode ter como referência alguma já conhecida. O mais importante é que as características do espaço estejam bem descritas; portanto, fale das cores, da temperatura, do cheiro, do tamanho do lugar, assim como dos objetos que o compõem. Ao contar a história, mergulhe nas sensações espaciais!

Depois de contar, convide os alunos para brincarem neste lugar. Por exemplo: se sua história se passou no fundo do mar, você irá convidá-los a brincar no fundo do mar; se foi em uma floresta, será nela; também pode ser um lugar imaginário, como o mundo das bolas ou das nuvens.

Leve, então, as crianças para outra sala na qual esse espaço já tenha sido montado por você e deixe-as explorando e criando as cenas que quiserem.

Não se preocupe em garantir que elas façam as mesmas ações narradas na história. O que importa neste momento é que as crianças interajam com o espaço, que o cenário seja um motivador para as cenas, e não que elas reproduzam a narrativa apresentada anteriormente.

Outro cuidado importante é que deixemos que elas transformem o cenário conforme se movimentam nele, o que significa que você, professora, terá que praticar o desapego. Não vale se chatear porque estava tão lindo e elas desmancharam! Brincadeira não deixa tudo no lugar – o movimento e a transformação fazem parte do brincar.

Para quem mais?

Esta proposta pode ser feita para qualquer idade, incluindo adultos, basta que a linguagem, na maneira de propor, se adéque ao grupo com quem você estiver trabalhando. Com crianças maiores é possível preparar o cenário ou propor que elas o construam – as duas formas dão resultados diferentes, mas ambos interessantes.

Dica

Se você trabalha em uma escola na qual existem várias salas de crianças de zero a 3 anos, será mais fácil organizar este espaço com a participação de várias professoras. Portanto, decidam juntas qual será o espaço ficcional a ser montado e todas poderão colaborar para sua construção, fazendo um revezamento do uso.

A foto utilizada neste post é de uma obra de Jason de Caires, utilizada como possibilidade de inspirar a criação de um cenário de fundo do mar.

 

A Vida

 

“Seis atores e seu diretor se propõem a investigar suas tragédias pessoais e fazer delas teatro. Um mergulho em questões viscerais que resistiram à passagem do tempo. Um jogo de combinações e subjetividades. Uma rede de encontros preciosos, em que cada cena emerge em mútua relação com as outras. Um espetáculo caótico e imponderável como a vida. A cada sessão, uma nova versão de si mesmo.” – Desta forma o grupo se apresenta no site do SESC Santo Amaro, onde a peça está em cartaz até dia 9 de julho.

Ao entrar na peça, entramos também em um jogo, já que sua estrutura é feita de tal maneira que a sequência de cenas que eu vi é bem provável que só seja vista pelas pessoas que estiveram comigo no dia 17 de junho. A razão pela qual cada apresentação é única está nas muitas combinações possíveis entre as cenas que são sorteadas em cada uma das 8 fases propostas. São 27 cenas, das quais veremos apenas 8.

O jogo presente na montagem é, sem dúvida, um aspecto instigante desta apresentação, mas o que mais impressiona é a coragem, de cada ator e do diretor, ao participar de uma montagem que apresente trechos biográficos com tanta vida! A apresentação pulsa, em alguns momentos esmurra e é doída. Mas em todos eles reflete a intensidade de um grupo que escolheu apresentar a vida em forma de arte, com a beleza da criação.

Para um blog que aborda a improvisação como este, vale ressaltar que as cenas apresentadas não são improvisadas! São todas elas resultado de uma investigação coletiva, mas definidas previamente. O que é mutável é a escolha de quais cenas serão feitas a cada apresentação, escolhidas no girar da roleta!

A indicação etária é para maiores de 16 anos. Vá até lá, confira. Vale a pena!!!

 

Ficha Técnica

Direção geral: Nelson Baskerville

Assistência de direção: Anna Zepa

Dramaturgia: Nelson Baskerville e Elenco

Colaboração dramatúrgica: Marcos Ferraz

Elenco: Camila Raffanti, Felipe Schermann, Hercules Moraes, Nuno Carvalho, Tamirys Ohanna e Thaís Medeiros

Cenografia: Amanda Vieira

Direção audiovisual: Laerte Késsimos

Direção de pesquisa corporal: Cristiano Karnas

Estudo de estruturas matemáticas: Carlos Vianna

Fotografia: Ligia Jardim

Produção executiva: Amanda Vieira e Thaís Medeiros

Idealização e Produção geral: AntiKatártiKa Teatral (AKK)

Qual o papel do cenário?

Para podermos pensar em como criar um cenário teatral, precisamos entender o que é um cenário e qual sua função na montagem de uma peça ou na prática teatral.

O cenário é composto pelos objetos e pelos elementos visuais que irão compor a cena. Precisamos diferenciar o cenário do espaço da cena, que pode ser um palco de um teatro, a rua, um barco ou uma sala de aula. O espaço onde a cena ocorre, com toda certeza, define parte das características da cena, e falaremos disso em uma outra postagem.

O cenário é o que colocamos em um espaço de cena já definido e que irá dialogar com o trabalho dos atores para a construção da cena.

Imagem retirada de http://www.funarte.gov.br/

Gianni Ratto apresenta diferentes definições de cenografia em seu livro Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. E eu escolhi uma delas para entendermos um pouco mais sobre o assunto:

Cenografia é o espaço eleito para que nele aconteça o drama ao qual queremos assistir. Portanto, falando de cenografia, podemos entender tanto o que está contido num espaço quanto o próprio espaço. […] Cenografia é a identificação de um espaço único e irrepetível capaz de receber sem inúteis interferências as personagens propostas e os atores que as interpretam. A verdadeira cenografia é determinada pela presença do ator e de seu traje; a personagem que se movimenta nas áreas que lhe são atribuídas cria constantemente novos espaços alterados, consequentemente, pelo movimento dos outros atores: a soma dessas ações cria uma arquitetura cenográfica invisível para os olhos, mas claramente perceptível, no plano sensorial, pelo desenho e pela estrutura dramatúrgica do texto apresentado.

Nesta definição fica clara a relação entre todos os elementos da cena e a importância de que os objetos escolhidos não sejam um enfeite do palco, mas, sim, que dialoguem com todos os demais elementos da montagem.

 

 

 

Para quem quiser descobrir um pouco mais do trabalho de cenário, veja a seguir algumas dicas.

  • Uma recomendação comum, quando falamos de ensino de teatro, é que o cenário só apareça quando ocorrem apresentações e, em geral, bem perto do dia de apresentar – de preferência, na hora de apresentar. Esta visão de cenário está pautada na ideia de que o cenário tem como função embelezar a cena. No entanto, ainda que possamos mesmo deixar a cena mais bonita, o cenário precisa ser vivido como elemento que irá compô-la e, portanto, ele precisa aparecer no decorrer de todo o trabalho de experimentação, no jogo, nas brincadeiras.
  • Dentro da escola, o cenário pode ser montado como motivador para a cena. Se estamos falando de crianças bem pequenas, de zero a 3 anos, o mais indicado é que os professores organizem o espaço para que elas brinquem nele. Para as demais idades, também podemos ter momentos nos quais os alunos serão surpreendidos com o espaço transformado.
  • Mas outra forma de criar cenários é com a participação dos alunos, com uma elaboração que pode ocorrer com todos juntos ou com pequenos grupos. Evidentemente, depois de montar, as crianças irão experimentar cenas neste novo espaço!

Para saber mais:

Você pode conhecer mais sobre o trabalho de Gianni Ratto no site da FUNARTE: http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/cenario-e-figurino/biografia-de-gianni-ratto/

Ou no Instituto Gianni Ratto: http://gianniratto.org.br/