Romeu e Julieta

Falar das peças de Willian Shakespeare é fácil! Não porque seus textos sejam simples ou porque sejam poucos, mas porque são bons! E como meu propósito nesta aba desse blog é fazer com que você tenha vontade de ler dramaturgia, este autor me deixa com muitos argumentos para te convencer.

Das peças escritas por Shakespeare, 38 chegaram até os dias atuais. Tendo vivido entre os anos de 1564 e 1616, na Inglaterra, foi diretor de um teatro “O Globe” e é o principal representante das obras deste período na Europa, ainda que tenhamos outras formas teatrais também importantes no Renascimento.

Giulia Gam e Marco Antonio Pamio na montagem de Romeu e Julieta, de 1984, dirigida por Antunes Filho, disponível em http://ocafe.com.br/teatro/grandes-diretores-antunes-filho/

Shakespeare escreveu tragédias e comédias, além de dramas históricos. Seus personagens são bastante conhecidos, sendo possivelmente a frase de Hamlet “Ser ou não ser, eis a questão” uma das mais conhecidas de toda a dramaturgia mundial, mesmo considerando o fato de que muitas pessoas que conhecem a frase nunca tenham lido nenhuma de suas peças.

Escolhi sua peça mais famosa: Romeu e Julieta! Minha escolha deve-se ao fato de adorar esta história e este texto. Considero uma boa aproximação ao autor, mas somente se você for alguém que se interesse por histórias de amor. Se não for, leia outra, pode ser Hamlet ou Rei Lear se quiser uma tragédia, ou fique com A megera Domada ou Sonhos de uma noite de verão, caso prefira uma comédia!

A história de Romeu e Julieta dispensa explicações, mas caso você nunca tenha ouvido falar aí vai uma brevíssima explicação: a peça conta o encontro de dois jovens, de famílias que se odeiam e que, por diferentes desencontros terminarão morrendo.

A tragédia da impossibilidade de viver esta paixão nos envolve e faz com que o sofrimento vivido pelos dois possa ser reconhecido, ainda que você tenha se apaixonado somente por pessoas permitidas.

Para além da história bem tramada, o texto é de uma beleza fascinante, destes que nos fazem agradecer a felicidade que é poder ler e imaginar!

Escolhi uma cena, a famosa cena do balcão e não consegui postar somente um pedaço, então aproveite e leia a cena completa! Depois de ler, consiga o texto na íntegra e se delicie, com direito a lágrimas no final.

Montagem do Grupo Galpão, disponível em http://teatrojornal.com.br/2014/04/ode-a-shakespeare/. Foto de Valmir Santos.

ROMEU E JULIETA, ATO II, Cena II

O mesmo. Jardim de Capuleto. Entra Romeu.

ROMEU – Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo. (Julieta aparece na janela.) Mas silêncio! Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta o sol daquele oriente? Surge, formoso sol, e mata a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que, como serva, és mais formosa que ela. Deixa, pois, de servi-la; ela é invejosa. Somente os tolos usam sua túnica de vestal, verde e doente; joga-a fora. Eis minha dama. Oh, sim! é o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala;
contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito ousado; não se dirige a mim: duas estrelas do céu, as mais formosas, tendo tido qualquer ocupação, aos olhos dela pediram que brilhassem nas esferas, até que elas voltassem. Que se dera se ficassem lá no alto os olhos dela, e na sua cabeça os dois luzeiros? Suas faces nitentes deixariam corridas as estrelas, como o dia faz com a luz das candeias, e seus olhos tamanha luz no céu espalhariam, que os pássaros, despertos, cantariam. Vede como ela apoia o rosto à mão. Ah! se eu fosse uma luva dessa mão, para poder tocar naquela face!
JULIETA – Ai de mim!
ROMEU – Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante, porque és tão glorioso para esta noite, sobre a minha fronte, como o emissário alado das alturas ser poderia para os olhos brancos e revirados dos mortais atônitos, que, para vê-lo, se reviram, quando montado passa nas ociosas nuvens e veleja no seio do ar sereno.
JULIETA – Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo.
ROMEU (à parte) – Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo?
JULIETA – Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.
ROMEU – Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em diante não serei Romeu.
JULIETA – Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?
ROMEU – Por um nome não sei como dizer-te quem eu seja. Meu nome, cara santa, me é odioso, por ser teu inimigo; se o tivesse diante de mim, escrito, o rasgaria.
JULIETA – Minhas orelhas ainda não beberam cem palavras sequer de tua boca, mas reconheço o tom. Não és Romeu, um dos Montecchios?
ROMEU – Não, bela menina; nem um nem outro, se isso te desgosta.
JULIETA – Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar, sendo o ponto a própria morte – se quem és atendermos – caso fosses encontrado por um dos meus parentes.
ROMEU – Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro, pois barreira alguma conseguirá deter do amor o curso, tentando o amor tudo o que o amor realiza. Teus parentes, assim, não poderiam desviar-me do propósito.
JULIETA – No caso de seres visto, poderão matar-te.
ROMEU – Ai! Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles.
JULIETA – Por nada deste mundo desejara que fosses visto aqui.
ROMEU – A capa tenho da noite para deles ocultar-me. Basta que me ames, e eles que me vejam! Prefiro ter cerceada logo a vida pelo ódio deles, a ter morte longa, faltando o teu amor.
JULIETA – Com quem tomaste informações para até aqui chegares?
ROMEU – Com o amor, que a inquirir me deu coragem;. deu-me conselhos e eu lhe emprestei olhos. Não sou piloto; mas se te encontrasses tão longe quanto a praia mais extensa que o mar longínquo banha, aventurara-me para obter tão preciosa mercancia.
JULIETA – Sabe-lo bem: a máscara da noite me cobre agora o rosto; do contrário, um rubor virginal me pintaria, de pronto, as faces, pelo que me ouviste dizer neste momento. Desejara – oh! minto! – retratar-me do que disse. Mas fora! fora com as formalidades! Amas-me? Sei que vais dizer-me “sim”, e creio no que dizes. Se o jurares, porém, talvez te mostres inconstante, pois dos perjúrios dos amantes,
dizem, Jove sorri. Ó meu gentil Romeu! Se amas, proclama-o com sinceridade; ou se pensas, acaso, que foi fácil minha conquista, vou tornar-me ríspida, franzir o sobrecenho e dizer “não”, porque me faças novamente a corte. Se não, por nada, nada deste mundo. Belo Montecchio, é certo: estou perdida, louca de amor; daí poder pensares que meu procedimento é assaz leviano; mas podeis crer-me, cavalheiro, que
hei de mais fiel mostrar-me do que quantas têm bastante astúcia para serem cautas. Poderia ter sido mais prudente, preciso confessá-lo, se não fosse teres ouvido sem que eu percebesse, minha veraz paixão. Assim, perdoa-me, não imputando à leviandade, nunca, meu abandono pronto, descoberto tão facilmente pela noite escura.
ROMEU – Senhora, juro pela santa lua que acairela de prata as belas frondes de todas estas árvores frutíferas…
JULIETA – Não jures pela lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, porque não pareça que teu amor, também, é assim mudável.
ROMEU – Por que devo jurar?
JULIETA – Não jures nada, ou jura, se o quiseres, por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto de minha idolatria. Assim, te creio.
ROMEU – Se o amor sincero deste coração…
JULIETA – Pára! não jures; muito embora sejas toda minha alegria, não me alegra a aliança desta noite; irrefletida foi por demais, precipitada, súbita, tal qual como o relâmpago que deixa de existir antes que dizer possamos: Ei-lo! brilhou! Boa noite, meu querido. Que o hálito do estio amadureça este botão de amor, porque ele possa numa flor transformar-se delicada, quando outra vez nos virmos. Até à vista; boa
noite. Possas ter a mesma calma que neste instante se me apossa da alma.
ROMEU – Vais deixar-me sair mal satisfeito?
JULIETA – Que alegria querias esta noite?
ROMEU – Trocar contigo o voto fiel de amor.
JULIETA – Antes que mo pedisses, já to dera; mas desejara ter de dá-lo ainda.
ROMEU – Desejas retirá-lo? Com que intuito, querido amor?
JULIETA – Porque, mais generosa, de novo to ofertasse. No entretanto, não quero nada, afora o que possuo. Minha bondade é como o mar: sem fim, e tão funda quanto ele. Posso dar-te sem medida, que muito mais me sobra: ambos são infinitos.
(A ama chama dentro.)
Ouço bulha dentro de casa. Adeus, amor! Adeus! – Ama, vou já! – Sê fiel, doce Montecchio. Espera um momentinho; volto logo.
(Retira-se da janela.)
ROMEU – Oh! que noite abençoada! Tenho medo, de um sonho, lisonjeiro em demasia para ser realidade.
(Julieta torna a aparecer em cima.)
JULIETA – Romeu querido, só três palavrinhas, e boa noite outra vez. Se esse amoroso pendor for sério e honesto, amanhã cedo me envia uma palavra pelo próprio que eu te mandar: em que lugar e quando pretendes realizar a cerimônia, que a teus pés deporei minha ventura, para seguir-te pelo mundo todo como a senhor e esposo.
AMA (dentro) – Senhorita!
JULIETA – Já vou! Já vou! – Porém se não for puro teu pensamento, peço-te…
AMA (dentro) – Menina!
JULIETA – Já vou! Neste momento! – … que não sigas com tuas insistências e me deixes entregue à minha dor. Amanhã cedo te mandarei recado por um próprio.
ROMEU – Por minha alma…
JULIETA – Boa noite vezes mil.
(Retira-se.)
ROMEU – Não, má noite, sem tua luz gentil. O amor procura o amor como o estudante que para a escola corre: num instante. Mas, ao se afastar dele, o amor parece que se transforma em colegial refece.
(Faz menção de retirar-se.)
(Julieta torna a aparecer em cima.)
JULIETA – Psiu! Romeu, psiu! Oh! quem me dera o grito do falcoeiro, porque chamar pudesse esse nobre gavião! O cativeiro tem voz rouca; não pode falar alto, senão eu forçaria a gruta de Eco, deixando ainda mais rouca do que a minha sua voz aérea, à força de cem vezes o nome repetir do meu Romeu.
ROMEU – Minha alma é que me chama pelo nome. Que doce som de prata faz a língua dos amantes à noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta?
JULIETA – Romeu!
ROMEU – Minha querida?
JULIETA – A que horas, cedo, devo mandar alguém para falar-te?
ROMEU – Às nove horas.
JULIETA – Sem falta. Só parece que até lá são vinte anos. Esqueci-me do que tinha a dizer.
ROMEU – Deixa que eu fique parado aqui, até que te recordes.
JULIETA – Esquecê-lo-ia, só para que sempre ficasses ai parado, recordando-me de como adoro tua companhia.
ROMEU – E eu ficaria, para que esquecesses, deixando de lembrar-me de outra casa que não fosse esta aqui.
JULIETA – É quase dia; desejara que já tivesses ido, não mais longe, porém, do que travessa menina deixa o meigo passarinho, que das mãos ela solta – tal qual pobre prisioneiro na corda bem torcida – para logo puxá-lo novamente pelo fio de seda, tão ciumenta e amorosa é de sua liberdade.
ROMEU – Quisera ser teu passarinho.
JULIETA – O mesmo, querido, eu desejara; mas de tanto te acariciar, podia, até, matar-te. Adeus; calca-me a dor com tanto afã, que boa-noite eu diria até amanhã.
ROMEU – Que aos teus olhos o sono baixe e ao peito. Fosse eu o sono e dormisse desse jeito! Vou procurar meu pai espiritual, para um conselho lhe pedir leal.
(Sai.)