Somos uma pessoa única e separamos nosso corpo em partes porque foi assim que nossa sociedade aprendeu a pensar, compartimentando. Não sou uma estudiosa de diferentes povos, mas sei que existem concepções nas quais a unidade é muito mais valorizada do que a compartimentação.
Mas, sendo alguém que nasceu nesta sociedade, aprendi a pensar que tenho uma perna, um braço, uma mão, um pé – todos estes em dobro, um de cada lado do corpo – tenho também costas, barriga, peito, pescoço, cabeça, rosto.
Qual o sentido de explorar as partes do corpo?
O motivo é ampliarmos a capacidade expressiva de cada parte, sem que percamos de vista que continuamos sendo um todo, unido pela pele, pelo sangue que corre no corpo todo, pelas veias e pelas emoções.
Explorar as diferentes partes é uma maneira de dar visibilidade ao detalhe, descobrir, por exemplo, como meu joelho pode expressar medo ou ansiedade ou como a posição da minha cabeça poderá demonstrar um personagem inseguro ou vaidoso.
Colocar foco em uma parte é uma estratégia, uma metodologia para ampliarmos a capacidade expressiva, mas não deve se cristalizar como uma solução para a cena, embora possa ser muito divertido fazer cenas nas quais somente uma parte do corpo atue!
Este post é continuação do último, no qual falo sobre o trabalho do diretor. Desta vez falarei sobre a ação do diretor no trabalho do ator.
Quando o diretor escuta o grupo sobre a escolha sobre o que apresentar e como apresentar, precisará escutar também sobre a definição dos personagens.
Esta questão não é muito simples, pois é comum que dentro de um grupo muitas pessoas queiram fazer o mesmo personagem e entendo que a melhor opção para esta situação é a experimentação de vários personagens por várias pessoas, em diferentes improvisações.
No caso de teatro-educação, precisamos ter em mente que nosso objetivo central é o aprendizado e a vivência teatral, o que certamente resultará em uma apresentação potente. Dessa maneira não vale a pena termos como preocupação central se a pessoa que irá representar um determinado personagem se parece fisicamente com ele ou ela.
Qualquer pessoa pode representar qualquer personagem, exatamente porque é uma representação e não uma tentativa de viver a realidade. Portanto a primeira preocupação a ser deixada de lado é a da semelhança física.
Outro aspecto importante a ser considerado após a escolha dos personagens é o percurso para que esse personagem passe a existir.
A pergunta central de quem está dirigindo deve ser: quais as proposições que posso fazer para que estas pessoas encontrem a melhor maneira de representar estes personagens?
Existem muitos caminhos possíveis. Eu acredito que a improvisação é o mais potente dentre eles, já que possibilita a experimentação para se chegar a uma forma, que será sempre mutável, mesmo quando o espetáculo está pronto, ainda que em pequenas proporções.
Vale a pensa pensar em propostas que explorem os diferentes aspectos do trabalho do ator, tendo em vista:
Os gestos e movimentos do personagem
As expressões faciais
A fala, que engloba tanto a compreensão do texto, quanto a maneira de falar
A ocupação do espaço, que dialoga com o cenário e com os demais atores
O que compreendo como fundamental é a visão de que o diretor irá criar propostas para que os atores criem os personagens e irá dialogar com estas criações, dando seu ponto de vista, propondo novas soluções, integrando o trabalho de toda a equipe, mas não irá agir como se os atores fossem suas marionetes e como se a criação do personagem fosse atribuição do diretor, tendo o ator somente a função de colocar em prática aquilo que já foi criado.
O título deste post é bem provocativo, mas é uma maneira de refletirmos sobre qual o papel do diretor teatral e especialmente do diretor de teatro na educação.
O primeiro aspecto a ser colocado em questão é sobre a escolha do que será apresentado. Esta escolha pode ser feita coletivamente, pode partir de propostas já realizadas previamente e com as crianças pequenas, pode partir de alguma brincadeira de faz-de-conta que tenha sido significativa e que o grupo queira compartilhar para um público.
Caso você avalie que teus alunos podem ampliar o repertório de possibilidades, uma boa maneira é oferecer diferentes sugestões de textos que poderão ser a base da apresentação. Talvez você tenha condições de fazer uma montagem teatral na qual poderão apresentar um texto na íntegra, sem adaptações e esta será uma ótima possibilidade de um contato mais próximo com o universo teatral, mas esta opção é pouco provável, já que as peças de teatro não são escritas com vistas a montagens escolares.
Seja qual for a tua situação, tenha em mente que o grupo precisa ter interesse e participar da escolha.
O segundo aspecto da reflexão sobre o papel do diretor é sobre a maneira como a peça será montada, a escolha estética a ser feita sobre a montagem.
Para fazer esta escolha é muito bom ter repertório de possibilidades, isto é, ter algumas ideias sobre como esta peça pode ser apresentada e para isso é fundamental que o grupo já tenha ido ao teatro e na impossibilidade de ver peças teatrais, precisamos recorrer a filmagens e fotografias de peças teatrais, pois do contrário, a escolha será por fazer algo parecido com uma novela ou com um filme e teatro não é TV, nem cinema.
Dou um exemplo de possibilidades de uma montagem da história do “Chapeuzinho Vermelho”:
Primeira possibilidade – ser uma montagem o mais realista possível, com um cenário que reproduza a floresta e a casa da vovó, com figurinos e sonoplastia imitando os personagens e criando o som ambiente. Neste caso teu grupo de alunos será de poucas pessoas, já que a história tem somente 5 personagens.
Segunda possibilidade – ser uma montagem na qual todas as pessoas representem o espaço e os sentimentos da Chapeuzinho, assim teremos muitas árvores e plantas, mas também teremos um personagem que será o medo, outro que será o susto e outro que será a alegria de ver a vovó sair viva da barriga do lobo.
Terceira possibilidade – ser uma montagem que transporta a história para uma Chapeuzinho nos dias de hoje, morando em uma cidade grande e o lobo ser representado de forma simbólica por um assaltante. O cenário ser de projeções de imagens com uma iluminação e uma sonoplastia que remetam a uma cidade cheia de luzes e barulhos de trânsito.
Com certeza poderíamos pensar em muitas outras possibilidades de montagem, mas o que importa é fazer essa escolha junto com o grupo de alunos/atores e ajuda-los a compreender qual a opção estética que melhor se adequa aos interesses e as condições do grupo.
No próximo post falaremos sobre o papel do diretor/professor com relação ao trabalho do ator/aluno.
O teatro de bonecos é uma forma teatral que existe há muito tempo, no qual os bonecos que podem representar personagens humanos ou não são manipulados por um ator, que quase sempre não aparece.
O teatro de bonecos possuí diferentes técnicas de manipulação, assim como de confecção dos bonecos: fantoches, bonecos de vara, marionetes ou articulados.
O trabalho dos atores é o que fará o boneco ganhar vida, tanto pela movimentação de seus “corpos” com as características decorrentes das técnicas diversas, como pela interpretação na voz e na maneira de se expressar.
Cia Truks e Cia Pia Fraus
Muitos atores bonequeiros confeccionam seus bonecos, pela compreensão de que a criação dos personagens se dá no momento de confecção do boneco.
O tamanho dos bonecos também pode variar muito, sendo muitas vezes uma manipulação que ocorre em um palco recortado, em dimensões nas quais o boneco não é maior que o braço de um ator e outras vezes observamos bonecos grandes, algumas vezes bonecos de ar, que superam muito o tamanho humano.
O figurino de uma peça pode ser um enorme problema ou uma grande ajuda na construção de um personagem
Para quem?
Qualquer pessoa de mais de 5 anos
Condições necessárias
Preferencialmente uma sala com espelhos.
Materiais necessários
Tecidos flexíveis, peças de roupas, adereços como lenços, colares, chapéus.
Como acontece?
A criação de um figurino poderá acontecer como um simples exercício para melhor compreensão de possibilidades ou como uma maneira de definir o figurino de um personagem dentro de uma montagem que já está sendo feita com o grupo de alunos.
Esta proposta é para criação de figurinos de uma montagem.
Caso o espaço no qual você leciona possuí um baú de figurinos, ótimo! Do contrário você terá que fazer uma coleta de materiais para este momento, que poderá ser feita como uma proposta da escola de maneira geral ou com o grupo de alunos que estão participando desta montagem teatral.
Peça que todos levem para a escola as peças de roupas ou tecidos que podem utilizar para seu personagem e também as que puderem emprestar para qualquer outro personagem.
Junto com o grupo, organize estas peças por tipos:
Blusas
Calças
Vestidos
Saias
Colares
Chapéus
Tecidos
Sapatos, etc.
Caso um aluno tenha trazido algo especificamente para o seu personagem, não coloque no meio destas outras peças, para não correr o risco de que um colega escolha algo que já estava destinado para outro.
Proponha que os alunos experimentem soluções, compondo o figurino com uma nova peça por vez e a cada nova peça será feita uma improvisação relâmpago, que pode ser de um pedaço de uma cena ou de propostas específicas para todos os personagens, tais como:
Saindo da cama
Almoçando
Encontrando um amigo
Andando com pressa
Estas ações breves tem por objetivo fazer com que cada um perceba se esta peça escolhida se acomodou no personagem ou não.
Lembre-se que as escolhas podem ser muitas e as trocas também. Esta exploração de figurino não deverá acontecer em um único momento, mas é possível que alguns personagens encontrem seu figurino logo de cara, enquanto outros precisarão de muitas experimentações.
Para saber mais?
Vale a pena apresentar aos alunos diferentes imagens de figurinos para um mesmo personagem, para que eles ampliem sua perspectiva sobre as possíveis soluções.
A secura e a poeira fazem com que a sensação de estar no meio de escombros se mantenha todo o tempo.
Não há nenhum aspecto desta montagem que seja pouco significativo: o cenário é lindo e feito de forma a tornar esta peça possível. Nos vemos no meio desta cena junto com os atores, com a poeira e a terra sujando nossos corpos, com objetos que são recolhidos e por vezes dão intensidade inesperada, como a cena da porta que divide os dois personagens.
Um figurino de tons e detalhes que mostram a presença das histórias, roupas que trazem narrativas.
Os recortes, pausas e intensidade provocados pela luz e pela sonoplastia terminam de compor os elementos da cena que o grupo Sobrevento se propõe a apresentar de forma online.
Fiquei com vontade de ver de perto, de sentir o cheiro e o pó no meu corpo, de escutar a respiração dos atores, mas na impossibilidade da vida de pertinho, a opção do online permite diferentes emoções e reflexões.
Eu nunca vivi uma cidade em guerra e até hoje, viver a pandemia foi a experiência mais próxima do que meu imaginário sobre a guerra me permite saber.
Nunca, antes desta pandemia, vivi tantos escombros coletivamente. Acompanhei desastres pontuais e localizados, que são sempre tristíssimos, mas esta sensação de esfacelamento que temos vivido, buscando sempre qual é o objeto que permanece inteiro, buscando maneira de permanecermos inteiros nesta condição de expectativa para quando terá terminado estes muitos desmoronamentos que estamos vivendo, decorrente do vírus e das opções políticas de nosso país.
Com Sandra Vargas, Luiz André Cherubini, Liana Yuri, Sueli Andrade, Daniel Viana, Mauricio Santana, Agnaldo Souza, Marcelo Amaral
Direção de Luiz André Cherubini e Sandra Vargas
Dramaturgia de Sandra Vargas
Figurinos de João Pimenta
Cenografia de Dalmir Rogério e Luiz André Cherubini
Música de Arrigo Barnabe, Geraldo Roca e Rodrigo Sater, na voz de Marcio De Camillo II
A criação de cenários pode ser compreendida como parte do processo de aprendizagem sobre o que é fazer teatro, além de ser um importante recurso de apreensão da cena a ser apresentada.
Quando imaginamos uma cena teatral, quase sempre imaginamos que ela aconteça em um determinado local e conversar sobre o que cada um imaginou e como este cenário pode ser feito é uma ótima maneira de que os alunos compreendam o papel do cenário na cena.
Para a criação de cenário pelos alunos é possível partir de diferentes abordagens:
Os espaços das cenas
Os materiais disponíveis
Os espaços das apresentações
O imaginário de cada aluno
Para pensarmos sobre os espaços das cenas é importante refletir sobre as dificuldades de mudança do cenário. Para isso você pode ler este outro post no qual eu falo sobre como mudar cenários.
Partir sobre os materiais disponíveis é uma maneira interessante de que os alunos possam pensar em como um determinado material poderá se transformar nos elementos do cenário que a peça pede.
Conforme o lugar onde será feita a apresentação, pode-se aproveitar os diferentes espaços dele. Por exemplo, caso a apresentação seja feita dentro da escola, será possível utilizar várias salas, um corredor, o pátio ou demais espaços existentes e fazer uma cena mutante, com a plateia se locomovendo. Caso seja feita em um teatro, também podem ser utilizados diferentes espaços, além do palco: as cadeiras da plateia, o corredor, a entrada do teatro. Neste caso o público pode ficar sentado, mas a cena se movimenta.
Partir da imaginação de cada aluno significa buscar dialogar com as diferentes imagens criadas por eles para que o cenário e o espaço onde a cena irá acontecer seja decorrente desta elaboração coletiva, mas que se utilizou das imagens individuais.
São inúmeras as possibilidades de criação de cenários, mas em todas elas é importante que ele faça parte da cena, de maneira integrada aos ensaios.
As Olimpíadas de esportes sempre nos fazem ver atletas tomando cuidado para estarem com o corpo aquecido antes de uma competição.
Para que serve se aquecer?
Qualquer pessoa, seja atleta, ator ou dançarino precisa estar com o corpo aquecido antes de entrar em cena, pois do contrário poderá sofrer alguma contusão muscular. Os músculos funcionam melhor e reagem com maior elasticidade quando estão quentes e a maneira de deixa-los quentes é pelo movimento.
Mas o aquecimento é também um momento de concentração, é um momento de preparo para o que irá acontecer.
No caso de um grupo teatral, quase sempre vivenciamos este pré-espetáculo individual e coletivamente. Individualmente acontece tanto o preparo dos músculos e das articulações, como a construção da personagem, seja pela maquiagem ou figurino. Coletivamente são criados momentos de concentração, de entrarem todos na mesma energia, o que pode acontecer por meio de uma roda, de um canto, de uma dança conjunta ou de outras soluções decorrentes da história do grupo e do que faz sentido para ela.
Estabelecer esta prática de aquecimento é fundamental para o trabalho desde muito antes da apresentação e professoras e professores precisam ensinar isso aos seus alunos. É um aprendizado este olhar para si e para o grupo e se preparar para o trabalho conjunto.
Eu gosto mais de fazer isso em roda, porque é um formato no qual cada um pode perceber as suas necessidades e também as necessidades dos outros.
Existem muitas maneiras de nos expressarmos. A expressão é parte da nossa construção pessoal e se constrói tendo como base a cultura na qual estamos inseridos. Nos expressamos quando falamos, quando escrevemos ou com caretas e gestos.
A expressão humana ganha contornos mais específicos quando se aprofunda em uma linguagem e para que possamos compreender melhor as linguagens da arte, classificamos em três grandes grupos – as artes cênicas, as artes visuais e a música. A literatura é também uma linguagem, que abrange todo o campo da fala e da leitura/escrita.
Cada um destes grandes grupos tem inúmeras divisões e dentro das artes cênicas temos uma primeira grande divisão que é entre o teatro e a dança.
Para entendermos porque o teatro e a dança estão juntos no guarda-chuva das artes cênicas, podemos pensar que ambos são artes da cena e que o corpo é seu principal meio de criação.
E com a frase acima eu respondo o que é se expressar cenicamente, isto é, é uma forma de expressão que se estabelece em uma cena, que poderá acontecer em muitos lugares diferentes e formatos diversos. Para que esta diversidade fique clara, pense nas diferenças entre uma cena teatral que acontece na rua com um grupo mambembe e um espetáculo de balé clássico dentro de um teatro.
As soluções encontradas pelas duas cenas de exemplo, seja com relação aos recursos que serão utilizados, seja com relação a maneira pela qual será estabelecido o diálogo com o público mudam enormemente, mas em ambos a forma de se expressar acontece em uma cena.
O fato de o corpo ser o principal meio de comunicação tampouco significa que a maneira de utilizar o corpo será parecida, já que podemos imaginar espetáculos de dança nas quais os corpos se movimentem freneticamente e uma cena teatral na qual os personagens não saiam do mesmo lugar, mas em ambos os casos o corpo é o principal campo de expressão.
Sabe uma história na qual as tramas vão sendo criadas por meio de confusões? Pois é, essa é uma delas.
Para quem nunca leu uma peça de Shakespeare pode ser que no começo tenha alguma dificuldade com o texto, que é escrito em uma linguagem pouco usual, afinal foi escrito há vários séculos, o que faz com que sejam outras as palavras e as composições das frases. Mas quando você passa deste momento de incomodo e se propõe a imaginar e observar a beleza do que é proposto, é puro deleite!
Com direito a personagens do mundo das fadas e muitos amores que provocam dor e alegria, essa peça é leve e divertida. Leia um trecho do início da peça e aproveite para imaginar como ela poderia ser encenada. Para ler toda a peça, acesse este link
“LISANDRO – Então, minha querida, por que as faces tão pálidas assim? Qual o motivo de murcharem tão rápido essas rosas?
HÉRMIA – Talvez por falta da água que lhes viesse da tempestade dos meus próprios olhos.
LISANDRO – Oh Deus! Por tudo quanto tenho lido ou das lendas e histórias escutado, em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor. Ou era grande do sangue a diferença…
HÉRMIA – Oh sofrimento! Nascer no alto e aceitar o cativeiro!
LISANDRO – … ou mui disparatadas as idades…
HÉRMIA – Oh dor! Unir-se a mocidade às cãs!
LISANDRO – … ou tudo os pais, sozinhos, decidiam…
HÉRMIA – Não há maior inferno: estranhos olhos para escolher o amor!
LISANDRO – … ou, quando havia simpatia na escolha, a guerra, as doenças, e a morte, conjuradas, o assaltavam, qual simples som deixando-o, transitório, tão curto corno um sonho, movediço como uma sombra instável, tão ligeiro como raio de noite tempestuosa que, de súbito, rasga o céu e a terra, mas que antes de podermos dizer “Vede!” pelas fauces das trevas é tragado. Tudo o que brilha, assim, em ruína acaba.
HÉRMIA – Se sempre contrariados foram todos os amantes sinceros, é que o próprio destino o determina desse modo. Que nos ensine, pois, a ser pacientes a nossa provação, já que é desdita fatal dos namorados, como os sonhos, pensamentos, suspiros, dores, lágrimas, do pobre amor são companheiros certos.
LISANDRO – Isso consola. Porém, Hérmia, escuta-me: a sete léguas, só, de Atenas mora minha tia, uma viúva muito rica que, por filhos não ter, me considera seu herdeiro exclusivo. Em casa dela, minha Hérmia encantadora, poderemos casar-nos, por ficarmos, então, fora das rigorosas leis dos atenienses. Se me amas, foge da mansão paterna na noite de amanhã. No bosquezinho a uma légua distante da cidade deverás encontrar-me, justamente onde uma vez te vi em companhia de Helena a realizar os sacros ritos de uma manhã de maio.
HÉRMIA – Meu bondoso Lisandro, eu juro pelo mais potente arco do deus Cupido, por sua seta melhor de penas de ouro, pelas meigas pombas de Vênus, pelo que une as almas e confere ao amor virentes palmas, pelas chamas em que se abrasou Dido após abandoná-la o Teucro infido, pelas juras que a todos os instantes violado têm os homens inconstantes, mais do que numerosas, infinitas, do que as que foram por mulheres ditas: amanhã, sem faltar, no grato abrigo de que falamos, estarei contigo.