Proponha aos alunos que deitem no chão, ou em colchonetes, e que relaxem por um tempo. Para isso, pode ser colocada uma música, mas será melhor se for feito um relaxamento orientado, no qual eles fechem os olhos e você vá nomeando cada parte do corpo de seus alunos que devem ir se soltando.
A seguir, peça que eles toquem todas estas partes do próprio corpo, que toquem seus pés, pernas, barriga, costas, braços, rosto e mãos. A última parte a ser sentida é a própria mão, onde eles irão perceber de forma mais detalhada cada parte, a temperatura, as marcas, as diferentes texturas.
Ainda com os olhos fechados, peça que alcancem as mãos de um colega, apenas de um e sintam suas mãos, também explorando as diferentes partes, percebendo as texturas, os cantinhos, os detalhes. Este toque deve acontecer como se cada um estivesse contando de si para o outro e, ao mesmo tempo, escutando do outro o que ele te diz. É um movimento de conhecer e deixar conhecer.
Esta proposta pode ser um pouco incomoda, pois gera bastante intimidade. Vale a pena dar um tempo para que os participantes contem como foi participar dela. Mesmo quando trabalhamos com crianças pequenas, permitir que elas verbalizem como se sentiram é dar a oportunidade de que expliquem o que sentiram, o que poderá fazer com que fiquem mais confortáveis com esta situação.
Apesar do estranhamento que pode causar, esta é uma proposta que permite que o grupo se conheça melhor e tenha mais confiança uns nos outros.
A pele de nosso corpo é o que nos contêm e nos separa do restante do mundo. Muito do que sentimos é através da pele. A pele nos informa a temperatura, a textura, se é molhado ou seco… a pele também causa sensações de desejo, de prazer e de muitos outros sentimentos que nos visitam o corpo e a alma no decorrer de um dia.
Tocar e ser tocado é uma experiência necessária não apenas para os humanos. Precisamos de abraços, de dar as mãos, de sentar ao lado. Precisamos do contato pele com pele desde pequeninos. Quando crescemos este contato vai se transformando, vai ganhando contornos e permissões na nossa sociedade. Mas também proibições!
Trabalhar com teatro é trabalhar com o corpo, assim como são os esportes. Ninguém imagina um jogo de basquete no qual os jogadores não se toquem. Neste caso é permitido. Brincar de roda sem dar as mãos é impensável. Aí também é permitido. Mas quantas são as situações nas quais podemos tocar as pessoas com as quais convivemos? Passada a adolescência, são poucas as mulheres que andam de mãos dadas com suas amigas pela rua. Os homens soltam as mãos antes mesmo da adolescência.
O quanto será que é permitido tocar no teatro? Como chegar a esta condição de confiança no grupo na qual o toque possa fazer parte da construção da cena, sem que seja visto como um excesso de sexualização? Este limite não está previamente definido.
Dependendo do grupo com o qual trabalhamos, a possibilidade de tocar e ser tocado será maior ou menor, pois os valores variam e os costumes também. Respeitar os limites do outro é necessário, mas isto não significa que não devemos fazer nada que a pessoa já não tenha feito. Esta afirmação pode parecer contraditória, mas me volto para o corpo para explicar. Quando queremos aumentar a nossa flexibilidade muscular é necessário nos colocarmos em posturas que vão além da flexibilidade confortável, pois assim vamos criando mais espaço na musculatura, mas se forçamos demais de uma vez, teremos uma ruptura, uma lesão que só irá machucar e não provocar o alongamento desejado.
Uso esta metáfora do alongamento para termos em mente as possibilidades de explorar o toque, o corpo a corpo necessário para a cena teatral. É preciso fazer exercícios que promovam o contato, que gerem confiança, que façam com que o diálogo entre os participantes de um grupo seja também pelo corpo, pois será pelo corpo que seremos grupo teatral.
Inicie este trabalho com uma roda na qual cada um irá fazer um pouco de massagem no colega que está na sua frente, invertendo a direção depois de um tempo de modo que a pessoa que recebeu a massagem retribua para seu colega.
Depois disso, separe a turma em trios e proponha o jogo “João bobo”. Esta é uma brincadeira tradicional que pode ser feita com um boneco que é empurrado de um lado para o outro, mas neste caso a proposta é que todos experimentem ser o boneco.
Algumas pessoas podem ter muito medo de ficar em uma situação tão vulnerável e não devemos ignorar seu medo. Uma solução para isso é que nunca se perca o contato corporal, isto é, que quando as mãos de um dos que empurra o “João bobo” irá se soltar, as mãos dos outros já devam estar tocando o corpo.
Os jogadores podem estar muito próximos de quem balança, o que não permitirá um balanço tão grande, e se afastarem pouco a pouco, conforme a confiança ficar maior. Um cuidado necessário é que os trios sejam de pessoas com uma estatura semelhança, não é fácil para uma pessoa muito pequena segurar alguém muito maior que ela. Isso também vale para a diferença de peso, as pessoas muito pesadas devem ficar com as mais fortes, pois do contrário corre-se o risco de não conseguir aguentar o peso.
Uma orientação importante para quem fará o “João Bobo” é manter seu corpo reto e firme, o “João bobo” tem flexibilidade nos tornozelos, mas não é um boneco articulado, que se requebra inteiro.
Se você for trabalhar com adolescentes no período de desenvolvimento pleno, vale ficar atento para a composição dos trios. Meninas em fase de crescimento dos seios são muito sensíveis e pode ser muito dolorido ser empurrada nesta região, sem falar na vergonha e na sensação de invasão que tal fato pode provocar.
Esta é uma brincadeira que promove a confiança quando feita com o cuidado necessário. E diverte muito!
Para continuar
Depois de ter feito em trios, com uma situação de maior controle e o grupo já estiver mais confiante em deixar seus corpos nas mãos dos colegas, faça com o grupo todo, com uma pessoa no centro e uma roda de pessoas para jogá-la e acolhê-la.
Quando pensamos em teatro quase sempre pensamos em grupo teatral. Algumas montagens são realizadas por um único ator ou atriz, mas mesmo neste caso é comum ter uma equipe de apoio e de criação que trabalha para sua realização.
Quando pensamos em escola, quase sempre pensamos em grupo, em classe, em turma, ainda que boa parte do trabalho seja realizado individualmente, por um único aluno ou aluna, mas mesmo neste caso existe uma equipe que propõe, dá suporte, acompanha.
Muitos de nós aprendemos a viver em grupo na escola, ainda que tenhamos outros grupos com os quais convivemos, como a família, a rua, a igreja, o clube… Mas apesar da escola ter tanta importância para este aprendizado fundamental na sociedade atual, será que ela se dedica como poderia neste ensinamento?
A possibilidade de vivenciar o teatro dentro da escola oferece para os alunos uma maneira diferente de viver o grupo por algumas razões. A primeira delas é que na criação teatral todos trabalham para uma produção comum, não há disputa; e ter alguém que seja reconhecido como muito melhor não ajuda na montagem teatral. De maneira geral, uma boa peça é aquela na qual todo o elenco atua bem, onde não percebemos alguém que não representa da melhor maneira porque uma boa peça não nos dá tempo de “olhar de fora”, já que estamos envolvidos com a cena.
A segunda razão que diferencia o trabalho teatral é o fato de que ele é corporal. O corpo participa pouco das aulas escolares. Desde muito pequenas, as crianças aprendem a controlar seus corpos para conseguir suportar horas em uma mesma posição, com atividades que solicitam o uso dos olhos e das mãos, além do pensamento. O trabalho teatral pede corpo! E ao pedir que os alunos se expressem corporalmente, também pede que eles se relacionem corporalmente. Ao encenar fazemos gestos, movimentos, tocamos os corpos de nossos colegas, vivemos gestos junto com o outro que ampliam as possibilidades de conhecê-lo a partir de outra percepção.
A terceira razão é que o teatro explora emoções e sentimentos. Muitas áreas de conhecimento podem lidar com emoções e sentimentos, mas poucas vezes o fazem, e ainda assim conseguem explorar conceitos variados, mesmo que de maneira mais pobre do que poderiam. Mas fazer teatro sem se emocionar não dá. Podemos pensar que a emoção é do personagem e algumas vezes é, mas mesmo assim, o ator precisa senti-la para poder expressá-la.
Viver coletivamente experimentando sentimentos com o corpo possibilita uma confiança que transforma uma classe em grupo. Se juntamos isso à alegria da criação coletiva, podemos entender o motivo de depois de uma apresentação teatral os alunos comemorarem com tantos abraços e beijos.
Algumas peças merecem ser lidas apenas pelo que representam na literatura teatral, essa é uma delas. Se este motivo não lhe convence, você pode fazer a leitura desta obra de Luigi Pirandello por saber que este autor escreveu, em 1921, uma peça que abordou questões sobre o sentido de encenar e sobre a relação entre realidade e representação que permanecem relevantes até hoje.
Mas se nada disso lhe convence, afinal o seu interesse por teatro não é tanto assim, leia porque é um texto delicioso!
Em meio a um ensaio chegam seis personagens que começam a contar sobre suas vidas, sobre o drama vivido por eles, as implicações das escolhas que levaram uma família — mais estranha na época do que hoje, mas nem por isso menos angustiante — a viver uma situação bastante difícil.
Nos envolvemos com a narrativa assim como o diretor da peça, porém, é justamente no momento que ela começa a ser encenada que vemos a principal discussão proposta pelo autor, isto é, a questão sobre a veracidade da cena evocada a partir dos conflitos que surgem entre personagens e atores.
TRECHO DA PEÇA SEIS PERSONAGENS À PROCURA DE UM AUTOR
O PAI – Mas, se todo o mal está nisto!… Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se, nas palavras que digo, ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos… e jamais nos entendemos! Veja: a minha compaixão, toda a minha compaixão por esta criatura (indica a Mãe.), ela considerou a mais feroz das crueldades!…
A MÃE – Mas se você me expulsou!
O PAI – Vê? Está ouvindo? Diz que a expulsei. Acha que a expulsei!
A MÃE – Você sabe falar: eu não sei… Mas, acredite senhor, que, depois de se ter casado comigo… quem sabe por quê!… – (eu era uma pobre mulher, humilde…).
O PAI – Justamente por isso! Casei-me pela sua humildade, o que eu amava em você, julgando… (Interrompe-se diante das negações dela. Abre os braços, desesperado pela impossibilidade de fazer-se compreender. Dirigindo-se ao Diretor.) Está vendo? Diz que não! É espantosa, senhor – acredite -, é espantosa a sua surdez (bate na testa.), a sua surdez mental! Coração tem, para os filhos! Mas surda: surda de cérebro, surda, senhor, até ao desespero!
A ENTEADA – É, mas pergunte-lhe agora que sorte nos trouxe a sua inteligência!…
O PAI – Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!… (Nesta altura, a Primeira Atriz, aborrecida por ver o Primeiro Ato namorar a Enteada, vem ao Diretor e pergunta.).
A PRIMEIRA ATRIZ – Com licença, Senhor Diretor: o ensaio vai continuar?
O DIRETOR – Vai, sim, vai. Mas agora me deixe ouvir.
O GALÃ – É um caso tão novo!
A INGÊNUA – Interessantíssimo!
A PRIMEIRA ATRIZ (Dando uma olhadela ao Primeiro Ator) – Para quem se interessa por ele…
O DIRETOR (Ao Pai) – Mas é preciso que o senhor se explique claramente! (Senta-se.).
O PAI – Pois não! Veja senhor: eu tinha um subalterno, meu secretário, um pobre homem, devotadíssimo, que andava, em tudo e por tudo, de acordo com ela (indica a Mãe.), sem sombra de mal — note bem! — um homem bom, humilde e tão incapaz quanto ela — já não digo de fazer, mas de pensar no mal!…
A ENTEADA – E, em vista disso, ele o pensou, por eles — e o fez!
O PAI – Não é verdade! Pensei fazer o bem deles e também o meu, confesso! Meu senhor: tinha chegado ao ponto em que não podia dizer uma palavra a um ou a outro, sem que imediatamente trocassem um olhar de compreensão, sem que ela procurasse logo os olhos do outro para aconselhar-se, para saber como devia interpretar aquela minha palavra, para não irritar-me. Bastava isso — o senhor bem pode compreender — para manter-me numa raiva contínua, num estado de exasperação intolerável!…
O DIRETOR – Uma pergunta: por que não mandava embora o seu secretário?
O PAI – Foi o que fiz. Mandei-o embora. Mas vi então esta pobre mulher andar pela casa como perdida, como um animal sem dono que a gente recolhe por pena.
A MÃE – Pudera!
O PAI (Volta-se para ela, como que para lhe antecipar-se, rápido) – O Filho, não é?
A MÃE – Primeiro, tinha-me tirado o Filho do peito, senhor!
O PAI – Mas não foi por crueldade! Foi para fazê-lo crescer sadio e robusto, ao contato da terra!
A ENTEADA (Indicando o Filho, irônica) – Vê-se!…
O PAI (Rápido) – E é também culpa minha, se depois ficou assim? Entreguei-o a uma ama-de-leite, fora da cidade, a uma camponesa, porque ela não me parecia bastante forte para amamentá-lo, apesar de ser de origem humilde. Foi por esta mesma razão que me casei com ela. Sempre ouvi dizer que as pessoas de nascimento modesto são mais fortes e sadias… Crendices!… Mas que havemos de fazer? Sempre tive destas malditas aspirações a uma sólida sanidade moral!… (A Enteada, neste ponto, solta nova e radiosa gargalhada. O Pai dirige-se ao Diretor.) Faça-a calar! É insuportável!
O DIRETOR – Cale-se! Deixe-me ouvir, Santo Deus!… (Com a repreensão do Diretor, a Enteada interrompe a gargalhada em meio e fica de novo absorta e longínqua. O Diretor desce à plateia para ter a impressão da cena.).
O PAI – Não pude mais ver esta mulher (indica a Mãe.) junto a mim. Não tanto pelo aborrecimento, pela opressão — verdadeira opressão — que me dava, quanto pela pena — uma pena angustiosa — que sentia por ela.