Inicie este trabalho com uma roda na qual cada um irá fazer um pouco de massagem no colega que está na sua frente, invertendo a direção depois de um tempo de modo que a pessoa que recebeu a massagem retribua para seu colega.
Depois disso, separe a turma em trios e proponha o jogo “João bobo”. Esta é uma brincadeira tradicional que pode ser feita com um boneco que é empurrado de um lado para o outro, mas neste caso a proposta é que todos experimentem ser o boneco.
Algumas pessoas podem ter muito medo de ficar em uma situação tão vulnerável e não devemos ignorar seu medo. Uma solução para isso é que nunca se perca o contato corporal, isto é, que quando as mãos de um dos que empurra o “João bobo” irá se soltar, as mãos dos outros já devam estar tocando o corpo.
Os jogadores podem estar muito próximos de quem balança, o que não permitirá um balanço tão grande, e se afastarem pouco a pouco, conforme a confiança ficar maior. Um cuidado necessário é que os trios sejam de pessoas com uma estatura semelhança, não é fácil para uma pessoa muito pequena segurar alguém muito maior que ela. Isso também vale para a diferença de peso, as pessoas muito pesadas devem ficar com as mais fortes, pois do contrário corre-se o risco de não conseguir aguentar o peso.
Uma orientação importante para quem fará o “João Bobo” é manter seu corpo reto e firme, o “João bobo” tem flexibilidade nos tornozelos, mas não é um boneco articulado, que se requebra inteiro.
Se você for trabalhar com adolescentes no período de desenvolvimento pleno, vale ficar atento para a composição dos trios. Meninas em fase de crescimento dos seios são muito sensíveis e pode ser muito dolorido ser empurrada nesta região, sem falar na vergonha e na sensação de invasão que tal fato pode provocar.
Esta é uma brincadeira que promove a confiança quando feita com o cuidado necessário. E diverte muito!
Para continuar
Depois de ter feito em trios, com uma situação de maior controle e o grupo já estiver mais confiante em deixar seus corpos nas mãos dos colegas, faça com o grupo todo, com uma pessoa no centro e uma roda de pessoas para jogá-la e acolhê-la.
Quando pensamos em teatro quase sempre pensamos em grupo teatral. Algumas montagens são realizadas por um único ator ou atriz, mas mesmo neste caso é comum ter uma equipe de apoio e de criação que trabalha para sua realização.
Quando pensamos em escola, quase sempre pensamos em grupo, em classe, em turma, ainda que boa parte do trabalho seja realizado individualmente, por um único aluno ou aluna, mas mesmo neste caso existe uma equipe que propõe, dá suporte, acompanha.
Muitos de nós aprendemos a viver em grupo na escola, ainda que tenhamos outros grupos com os quais convivemos, como a família, a rua, a igreja, o clube… Mas apesar da escola ter tanta importância para este aprendizado fundamental na sociedade atual, será que ela se dedica como poderia neste ensinamento?
A possibilidade de vivenciar o teatro dentro da escola oferece para os alunos uma maneira diferente de viver o grupo por algumas razões. A primeira delas é que na criação teatral todos trabalham para uma produção comum, não há disputa; e ter alguém que seja reconhecido como muito melhor não ajuda na montagem teatral. De maneira geral, uma boa peça é aquela na qual todo o elenco atua bem, onde não percebemos alguém que não representa da melhor maneira porque uma boa peça não nos dá tempo de “olhar de fora”, já que estamos envolvidos com a cena.
A segunda razão que diferencia o trabalho teatral é o fato de que ele é corporal. O corpo participa pouco das aulas escolares. Desde muito pequenas, as crianças aprendem a controlar seus corpos para conseguir suportar horas em uma mesma posição, com atividades que solicitam o uso dos olhos e das mãos, além do pensamento. O trabalho teatral pede corpo! E ao pedir que os alunos se expressem corporalmente, também pede que eles se relacionem corporalmente. Ao encenar fazemos gestos, movimentos, tocamos os corpos de nossos colegas, vivemos gestos junto com o outro que ampliam as possibilidades de conhecê-lo a partir de outra percepção.
A terceira razão é que o teatro explora emoções e sentimentos. Muitas áreas de conhecimento podem lidar com emoções e sentimentos, mas poucas vezes o fazem, e ainda assim conseguem explorar conceitos variados, mesmo que de maneira mais pobre do que poderiam. Mas fazer teatro sem se emocionar não dá. Podemos pensar que a emoção é do personagem e algumas vezes é, mas mesmo assim, o ator precisa senti-la para poder expressá-la.
Viver coletivamente experimentando sentimentos com o corpo possibilita uma confiança que transforma uma classe em grupo. Se juntamos isso à alegria da criação coletiva, podemos entender o motivo de depois de uma apresentação teatral os alunos comemorarem com tantos abraços e beijos.
Algumas peças merecem ser lidas apenas pelo que representam na literatura teatral, essa é uma delas. Se este motivo não lhe convence, você pode fazer a leitura desta obra de Luigi Pirandello por saber que este autor escreveu, em 1921, uma peça que abordou questões sobre o sentido de encenar e sobre a relação entre realidade e representação que permanecem relevantes até hoje.
Mas se nada disso lhe convence, afinal o seu interesse por teatro não é tanto assim, leia porque é um texto delicioso!
Em meio a um ensaio chegam seis personagens que começam a contar sobre suas vidas, sobre o drama vivido por eles, as implicações das escolhas que levaram uma família — mais estranha na época do que hoje, mas nem por isso menos angustiante — a viver uma situação bastante difícil.
Nos envolvemos com a narrativa assim como o diretor da peça, porém, é justamente no momento que ela começa a ser encenada que vemos a principal discussão proposta pelo autor, isto é, a questão sobre a veracidade da cena evocada a partir dos conflitos que surgem entre personagens e atores.
TRECHO DA PEÇA SEIS PERSONAGENS À PROCURA DE UM AUTOR
O PAI – Mas, se todo o mal está nisto!… Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se, nas palavras que digo, ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos… e jamais nos entendemos! Veja: a minha compaixão, toda a minha compaixão por esta criatura (indica a Mãe.), ela considerou a mais feroz das crueldades!…
A MÃE – Mas se você me expulsou!
O PAI – Vê? Está ouvindo? Diz que a expulsei. Acha que a expulsei!
A MÃE – Você sabe falar: eu não sei… Mas, acredite senhor, que, depois de se ter casado comigo… quem sabe por quê!… – (eu era uma pobre mulher, humilde…).
O PAI – Justamente por isso! Casei-me pela sua humildade, o que eu amava em você, julgando… (Interrompe-se diante das negações dela. Abre os braços, desesperado pela impossibilidade de fazer-se compreender. Dirigindo-se ao Diretor.) Está vendo? Diz que não! É espantosa, senhor – acredite -, é espantosa a sua surdez (bate na testa.), a sua surdez mental! Coração tem, para os filhos! Mas surda: surda de cérebro, surda, senhor, até ao desespero!
A ENTEADA – É, mas pergunte-lhe agora que sorte nos trouxe a sua inteligência!…
O PAI – Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!… (Nesta altura, a Primeira Atriz, aborrecida por ver o Primeiro Ato namorar a Enteada, vem ao Diretor e pergunta.).
A PRIMEIRA ATRIZ – Com licença, Senhor Diretor: o ensaio vai continuar?
O DIRETOR – Vai, sim, vai. Mas agora me deixe ouvir.
O GALÃ – É um caso tão novo!
A INGÊNUA – Interessantíssimo!
A PRIMEIRA ATRIZ (Dando uma olhadela ao Primeiro Ator) – Para quem se interessa por ele…
O DIRETOR (Ao Pai) – Mas é preciso que o senhor se explique claramente! (Senta-se.).
O PAI – Pois não! Veja senhor: eu tinha um subalterno, meu secretário, um pobre homem, devotadíssimo, que andava, em tudo e por tudo, de acordo com ela (indica a Mãe.), sem sombra de mal — note bem! — um homem bom, humilde e tão incapaz quanto ela — já não digo de fazer, mas de pensar no mal!…
A ENTEADA – E, em vista disso, ele o pensou, por eles — e o fez!
O PAI – Não é verdade! Pensei fazer o bem deles e também o meu, confesso! Meu senhor: tinha chegado ao ponto em que não podia dizer uma palavra a um ou a outro, sem que imediatamente trocassem um olhar de compreensão, sem que ela procurasse logo os olhos do outro para aconselhar-se, para saber como devia interpretar aquela minha palavra, para não irritar-me. Bastava isso — o senhor bem pode compreender — para manter-me numa raiva contínua, num estado de exasperação intolerável!…
O DIRETOR – Uma pergunta: por que não mandava embora o seu secretário?
O PAI – Foi o que fiz. Mandei-o embora. Mas vi então esta pobre mulher andar pela casa como perdida, como um animal sem dono que a gente recolhe por pena.
A MÃE – Pudera!
O PAI (Volta-se para ela, como que para lhe antecipar-se, rápido) – O Filho, não é?
A MÃE – Primeiro, tinha-me tirado o Filho do peito, senhor!
O PAI – Mas não foi por crueldade! Foi para fazê-lo crescer sadio e robusto, ao contato da terra!
A ENTEADA (Indicando o Filho, irônica) – Vê-se!…
O PAI (Rápido) – E é também culpa minha, se depois ficou assim? Entreguei-o a uma ama-de-leite, fora da cidade, a uma camponesa, porque ela não me parecia bastante forte para amamentá-lo, apesar de ser de origem humilde. Foi por esta mesma razão que me casei com ela. Sempre ouvi dizer que as pessoas de nascimento modesto são mais fortes e sadias… Crendices!… Mas que havemos de fazer? Sempre tive destas malditas aspirações a uma sólida sanidade moral!… (A Enteada, neste ponto, solta nova e radiosa gargalhada. O Pai dirige-se ao Diretor.) Faça-a calar! É insuportável!
O DIRETOR – Cale-se! Deixe-me ouvir, Santo Deus!… (Com a repreensão do Diretor, a Enteada interrompe a gargalhada em meio e fica de novo absorta e longínqua. O Diretor desce à plateia para ter a impressão da cena.).
O PAI – Não pude mais ver esta mulher (indica a Mãe.) junto a mim. Não tanto pelo aborrecimento, pela opressão — verdadeira opressão — que me dava, quanto pela pena — uma pena angustiosa — que sentia por ela.
A proposta deste jogo é que uma mesma pessoa possa representar diferentes personagens.
Comece com um aquecimento no qual todos terão que caminhar e conforme é feito um sinal, que pode ser uma palma, eles devem alterar sua forma de caminhar para o personagem solicitado. Este personagem será indicado por você, alguns exemplos são: um pai, uma criança pequena, um velho, um palhaço, um DJ, uma bailarina, uma tia gorda, um cego…
Depois do aquecimento, divida o grupo em dois ou três de maneira que se crie pequenos grupos de sete a dez pessoas, e entregue para cada um desses grupos uma cena parcialmente definida.
Um exemplo possível é: a cena ocorre em uma balada, nela está presente um barman, um faxineiro, um porteiro, cinco adolescentes, um pai e uma mãe. O conflito é de um dos adolescentes ter ido à balada sem a autorização dos pais e estes chegam no meio do programa e levam ele/ela embora.
Proponha para o grupo que cada integrante mude de personagem três vezes no meio da encenação, com um sinal que será dado por você. O ideal é que cada personagem tenha um adereço que o caracterize, desta maneira ao mudar de personagem, o adereço também será trocado. O que deve ser ressaltado neste jogo é que cada um deve buscar os gestos e fala do personagem que passa a representar, sempre que mude de personagem.
Alguns exemplos de adereço podem ser: um bigode para o pai, uma echarpe para a mãe, uma vassoura para o faxineiro, um copo para o barman, um boné ou um fone de ouvido para os adolescentes. A escolha dos adereços pode ser feita juntamente com os alunos, conversando sobre qual o objeto que melhor caracterizará o personagem.
Este jogo pode ser confuso nas primeiras vezes que for jogado, mas com a experimentação os alunos perceberão as diferentes possibilidades de representação que esta proposta oferece, além de notarem que um pai pode ser representado de muitas maneiras, já que pais, adolescentes ou faxineiros são pessoas com múltiplas variações.
O sistema Coringa proposto por Augusto Boal pode ser explicado, de forma simplificada, como uma proposta de encenação na qual diferentes atores podem assumir um mesmo personagem.
Esta maneira de ver a atuação propõe um distanciamento do ator em relação ao personagem, já que ao poder assumir diferentes personagens, o ator não se identificaria com nenhum deles em específico.
A proposta de Boal se refere à visão teatral de Bertold Brecht, mas ambas possuem uma complexidade que não cabe neste post e não é a intenção deste blog aprofundar em teorias teatrais.
Na enciclopédia Itaú Cultural, podemos ler sobre a atualidade deste sistema de encenação: “Ao longo das décadas seguintes, no Brasil, algumas das técnicas teatrais nascidas ou criadas no sistema coringa acabam por ser empregadas em outros contextos, utilizadas como recursos de linguagem, sem obedecer, todavia, às suas determinações ideológicas. São exemplos: o rodízio de personagens do elenco por meio da substituição de adereços; o amálgama de gêneros diversos numa mesma cena ou peça; o emprego de recursos narrativos mesclados com cenas dramáticas etc., tornando o sistema algo assimilado e diluído, mais uma prática do que um modelo, no cotidiano do fazer teatral”.
Ao refletirmos sobre o uso deste sistema no espaço educativo, podemos perceber a possibilidade de explorar diferentes conceitos, como a caracterização de um personagem, o uso de símbolos ou adereços que caracterizem um personagem, a possibilidade de um mesmo ator representar muitos personagens em uma mesma peça, a diversidade de soluções para a representação, dentre outros.
Este sistema, que no teatro profissional permite a realização de uma montagem teatral sem um grupo de atores tão grande, em escolas, nas quais, de maneira geral, sobram atores para os poucos personagens, é possível explorar esta solução dando a oportunidade para que mais de uma pessoa represente o personagem principal, quando existe um.
Esta maneira de olhar para a representação rompe com a hierarquia presente em muitas peças, nas quais há um número pequeno de personagens principais. O que interessa, no entanto, não é termos peças nas quais todos os personagens tenham a mesma relevância, mas sim, ao utilizar deste sistema, dar oportunidade de representação para todos os alunos que estão aprendendo teatro, além de questionar os aspectos já apontados.
Essa proposta tem como principal objetivo explorar no aluno/ator a percepção de que representamos com o corpo todo e que uma cena pode ser vista de muitos pontos de vista.
O teatro de Arena é muito bom para explorarmos esta concepção, porém, na falta de um teatro de arena em seu espaço de trabalho, podemos colocar a plateia de todos os lados da sala. Se a sua sala de trabalho não é redonda, não há nenhum problema, pois a plateia pode ficar em volta da cena, seja em uma sala quadrada ou retangular. O ideal é que ninguém fique muito longe do espaço de encenação.
Divida os alunos em cinco grupos, de tal forma que quatro deles serão plateia e um estará encenando. Será feito um revezamento entre todos os grupos, de maneira a que todos atuem e todos observem de diferentes pontos da sala.
A cena a ser apresentada pode ser alguma já elaborada anteriormente, ou uma improvisação proposta para este momento. O que importa é que o grupo se dê conta de que a cena é vista de muitos pontos de vista e que, portanto, o seu corpo deve estar todo em cena, não tendo uma preocupação apenas com a frente do corpo ou com o rosto.
Este formato irá solicitar do grupo uma movimentação em várias direções.
É importante que, ao fim de cada encenação, os quatro grupos da plateia comentem se conseguiram acompanhar a representação, ou se alguém se sentiu de fora da apresentação. Estes comentários breves permitirão que o próximo grupo se aperceba melhor de toda a plateia.
É mais interessante que cada grupo apresente duas ou três cenas breves, pois a cada apresentação ou improvisação poderá, cada vez mais, dar-se conta das diferentes soluções a serem exploradas.
Para saber mais
Vale a pena mostrar para o grupo uma apresentação que tenha ocorrido em um teatro de arena. Caso seja possível ir a um teatro de arena, perfeito! Mas não tendo nenhuma apresentação na qual o grupo possa observar as soluções encontradas por atores, é possível assistir a um vídeo ou mesmo ver fotos. O contato com obras teatrais que se assemelhem ao que está sendo solicitado para os alunos ampliará os recursos deles para a encenação.
Peça escrita por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, em 1967, que irá abordar o tema da Inconfidência Mineira relacionando-o aos acontecimentos políticos da década de 1960. Boal é um autor que precisa ser conhecido por qualquer um que se interesse por teatro. Além de suas obras como dramaturgo, escreveu sobre teoria teatral e dirigiu diferentes grupos e experimentos importantíssimos para o teatro.
Esta peça apresenta com mais clareza o Sistema Coringa, já experimentado em “Arena Conta Zumbi”.
Sobre o Teatro de Arena, Sabato Magaldi escreve “Um palco brasileiro: o Arena de São Paulo”, no qual é possível saber muito sobre a formação deste grupo que soube fazer do teatro um espaço de reflexão acerca do momento político e social vivido naquela época.
A leitura desta peça mostrará o quanto persistem alguns dos problemas enfrentados há 50 anos. É possível que, ao ler, você tenha a sensação de que foi uma criação que antecipou o que estava por vir, mas basta conhecer um pouco da história deste país para sabermos que as relações estabelecidas entre a Inconfidência Mineira e o Golpe de 1964 parecem estar em uma sala de espelhos, nos quais voltamos a ver, atualmente, as mesmas imagens refletidas.
Leia um trecho da peça aqui no post e se quiser ler um pouco mais, acesse:
CORIFEU – Vila Rica, Palácio do Governo, 1788. Sai Cunha Menezes, Barbacena toma posse! Todo mundo alegre! Alegria dura pouco.
GONZAGA – Nós e o povo já dávamos sinais de grande inquietação! Nós e o povo estamos felizes com a nomeação de V.Ex.a.! Vossa vinda traz de volta a paz e o retorno!
BARBACENA – Mais que retorno, mais que a paz, trago alegria, apesar de tudo. Trago esta carta da Rainha que me ordena lançar a derrama. Que todos sejam felizes, apesar de tudo. O Brasil finalmente honrará suas dívidas a Portugal! A derrama será lançada! (Pânico. Espanto profundo. Música de percussão.)
GONZAGA – Mas, Ex.a.! São nove milhões de cruzados. Nem a Capitania inteira possui essa fortuna disponível!
DOMINGOS – Nem que eu venda todas minhas fábricas!
SILVÉRIO – Nem que eu venda meus escravos! Nem que eu me venda a mim!
FRANCISCO – Nem que eu venda meu exército com todas suas armas, uniformes e disciplina!
GONZAGA – A mim me parece estranho que a Capitania tenha contraído uma dívida superior aos bens de que dispõe!
BARBACENA (irônica e sarcástico) – No entanto, assim é. O Governo anterior levou a este paradoxo. Aqui, fizeram-se fortunas individuais, e o povo encontrou trabalho. Mas tudo isso a custa de quê? A custa do nosso bom nome no exterior, do nosso crédito, da nossa honra colonial. A Coroa nada lucrou com esse desenvolvimento. E o Brasil é como um trem atrasado, um trem abarrotado de riquezas que, todavia, caminha com extrema lentidão. Não deve ser assim, o trem deve andar mais depressa, e seu movimento será fornecido por trabalho, trabalho, trabalho! E o seu destino será a Coroa, Coroa, Coroa, Coroa! Fala-se mal da Coroa, porém nós sabemos que todos nossos males têm uma só origem e esta como todos sabem se constitui apenas de uma série de contingências. Digo mais: diversas contingências, a maioria das quais originadas no governo passado. Mas nós venceremos, venceremos na medida em que cada um criticar menos e trabalhar mais. Pelo trabalho superaremos ressentimentos e venceremos ódios — ódios tão pouco inerentes à nossa índole generosa! Só vos peço isto: digam comigo — Confiamos no Brasil! Apostamos no Brasil! Critique menos e trabalhe mais!
TODOS EM CORO – Confiamos no Brasil! Apostamos no Brasil! Critique menos e trabalhe mais!
CORO (Marcha Rancho)
Calado, trabalhe mais!
Se o governo é bom ou mal,
Vamos todos melhorar:
Dê seu ouro a Portugal.
Existem muitas colônias,
Que se tornam mais florentes,
Quando pagam suas dívidas
E à Coroa são tementes.
Trabalhe sem entender,
Dê dinheiro e seja ousado.
Pagando somos felizes,
Num País escravizado.
Num País escravizado.
Num País escravizado.
EXPLICAÇÃO 2 CORINGA (em todas as “Explicações” o Coringa é o ator que o interpreta e não um personagem) – Vocês devem estar estranhando quatro coisas. Espero que sejam só quatro porque essas eu posso explicar. Primeiro, as Pilotas. Aposto que vocês ficaram todos na dúvida se elas eram só costureiras ou só prostitutas. Não eram nem só uma coisa nem só outra. Eram as duas coisas ao mesmo tempo. Naquela época não havia especialização. Segundo, a história de desviar o Rio. Tiradentes tinha o projeto de canalizar os rios Andaraí e Maracanã, coisa que na época todos achavam ficção científica. Ele chegou a ser vaiado um dia na ópera por causa disso. Mas veio D. João VI e esse projeto foi executado e até hoje é conhecido como o “Canal do Mangue”. As fiéis Pilotas continuam lá, mas agora totalmente especializadas. Terceiro, por que a troca de Cunha Menezes por Barbacena? Porque à Rainha só interessava um governador das Minas Gerais que fosse fiel, honesto e austero, porque só assim podia ter certeza de que o nosso ouro seria fiel, honesta e austeramente embarcado para Portugal. Quarto, a derrama! Como bom país colonizador, Portugal cobrava imposto sobre tudo. Importação, exportação, escravo, boi, vaca, terra, casa, cabeça… Nasceu príncipe, a colônia paga imposto. Morreu, paga! Batizou, crismou, fez primeira comunhão, casou, separou, recasou — paga! O príncipe sorriu, paga imposto! Mas mesmo somando tudo isso, D. Maria ainda achava pouco, e lá vinha a Derrama, com soldado na porta, pra cobrir a diferença. Não escapava ninguém, fosse mineiro ou não! O Governo decidia quanto é que cada um tinha de dar e podia reduzir à pobreza quem horas antes fora um potentado. Era o Terror. A revolta era a única solução. (…)
OBS: As fotos deste post são de Derly Marques e estão disponíveis em http://enciclopedia.itaucultural.org.br
Assisti o musical Billy Elliot, na cidade de Budapest, em uma montagem feita pela Hungarian Sate Opera, em julho passado.
A peça é baseada no filme de mesmo nome, que conta a história de um garoto talentoso nascido em uma família pobre que é contra seu desejo de se tornar um dançarino de balé. Se passa em 1984, nas cidades mineradoras da Inglaterra. O enredo apresenta os conflitos dos trabalhadores, dos quais seu irmão e seu pai fazem parte em contraponto com o interesse do menino por dançar, quando deveria estar aprendendo boxe.
Esta montagem foi produzida pela primeira vez na Ópera Húngara, no verão de 2016, dirigido por Tamás Szirtes e coreografado por Ákos Tihanyi. O elenco triplo incluía atores do teatro popular húngaro como Judit Ladinek, Nikolett Gallusz, Éva Auksz, András Stohl, Sándor Tóth, Kristóf Németh, Eszter Csákányi, Ilona Bencze e Ildikó Hűvösvölgyi que participaram da montagem desde o princípio.
Neste ano, novos atores foram selecionados para os personagens das crianças. O papel de Billy é extremamente difícil, pois exige que os atores infantis possam dizer em prosa, cantar e dançar, incluindo passos de balé.
A sequência do Lago dos Cisnes foi realizada por bailarinos do Ballet Nacional Húngaro e a música ao vivo foi executada pela Orquestra da Ópera Estatal da Hungria, regida por Géza Köteles e István Silló.
De maneira geral, não sou fã de musicais. Não é o gênero que mais me interessa, mas foi uma experiência interessantíssima, tanto pela qualidade da montagem, como pela possibilidade de assistir a um espetáculo em uma língua tão diversa da nossa. Não há dúvida de que ouvir uma peça falada e cantada em um idíoma do qual não consigo compreender nenhuma palavra foi um ótima oportunidade para aguçar um novo olhar para a cena. Recomendo!
O formato do teatro de arena é possivelmente a estrutura mais antiga que conhecemos na história do teatro ocidental.
Na Grécia Antiga, as arenas não se destinavam apenas a representações teatrais, mas acolhiam outras formas de diversão social, como os jogos de gladiadores.
Tais teatros, além de serem conhecidos por sua importância histórica, possuem um formato bastante específico e vale a pena conhecê-lo um pouco mais, já que ele propõe um determinado tipo de encenação que se diferencia do Palco Italiano em variados aspectos. Para quem não sabe o que é um Palco Italiano, aqui vai uma explicação brevíssima: é o teatro no qual o palco fica de um lado e a plateia do outro, sendo que a abertura do palco fica em apenas um dos lados, o que faz com que ator e espectador fiquem frente a frente.
O que mais me interessa no formato do Teatro de Arena é exatamente a relação que ele propicia entre a encenação e a plateia, já que esta fica em volta de toda a cena — ou praticamente toda —, como pode ser visto na imagem abaixo.
O fato de ter plateia em diferentes direções, propõe para a cena uma elaboração que inclui todo o corpo do ator, além de um possível diálogo com os espectadores, mesmo que seja apenas pelo olhar.
A concepção da cena deve levar em conta esta característica e a movimentação dos atores precisa ter em mente a diversidade de pontos de vista, mesmo quando a arena não é de 360 graus.
Ao pensarmos no trabalho com alunos, neste formato de cena, com toda certeza rompemos com a ideia de que o que importa é a frente do corpo ou a fala. A cena na arena precisa incorporar o todo do ator, sua presença total, o que a torna um ótimo instrumento para explorar a importância de estar com o corpo todo enquanto atuamos.
As férias já terminaram, mas a vontade de continuar passeando ainda não me abandonou, por isso este post é sobre um teatro que conheci em julho.
Plovdiv é a segunda maior cidade da Bulgária, próxima de Sófia, a capital deste país que pouco conhecemos por aqui, não apenas pela distância, mas porque a Bulgária fez parte do bloco comunista do Leste Europeu, e em decorrência disso, passou muitos anos sem que o acesso fosse tão fácil, diferentemente das cidades mais conhecidas da Europa.
Esta charmosa cidade, uma das mais antigas do continente europeu, passou pelas mãos dos Romanos e dos Otomanos, povos que deixaram marcas importantes nesta região. Uma delas é o teatro de arena, construído na Roma Antiga. No site da cidade, é possível saber que:
“O antigo teatro de Philipoppol é um dos teatros antigos mais bem preservados do mundo. Ele está localizado na encosta sul das Três Colinas, no vale entre Taksim e Dzhambaz tepe. Descoberto por arqueólogos de Plovdiv e reconstruído no início dos anos 80 do século XX, o antigo teatro de Philipoppol está entre as descobertas mais significativas do período romano. Inscrições recentemente encontradas e decifradas em um pedestal monumental revelam que o teatro foi construído nos anos 90 do século I d.C., quando Filipolol estava sob o governo de Tito Flávio Cotis — herdeiro de uma dinastia real trácia, sumo sacerdote da província de Trácia, representante do Tribunal Metropolitano de Justiça e responsável pelos canteiros de obras.
A área do espectador ao ar livre inclui 28 fileiras concêntricas de assentos de mármore cuja forma de ferradura, em torno do palco-orquestra, possui 26,64m de diâmetro. Além de apresentações de teatro, o local foi usado para jogos de gladiadores e caça, bem como sede da Assembleia Geral da província romana da Trácia (Tracon koinon). Esteve em atividade até o final do século IV e chegou a ter capacidade para cerca de 6 mil espectadores. Costumava haver uma loja para o imperador e outros funcionários na segunda fila de cadeiras acima do arco.
Hoje em dia, o teatro antigo é simbólico para Plovdiv e ajustado para a vida cultural moderna da cidade. Está operando como um palco de ópera, música e drama. Alguns dos melhores eventos anuais são o Festival Internacional de Folclore, o Festival de Ópera “Opera Open”, o Festival de Rock “Sounds of Ages” e muitos outros.”
Estive lá em um dia de muito calor, no qual foi possível viver a experiência de estar em um lugar tão antigo que permanece vivo, o que era perceptível na desmontagem do cenário de uma apresentação que havia ocorrido um dia antes. Não foi possível ver um espetáculo, mas caminhar por um lugar onde tantas cenas já foram feitas é uma alegria que perdura.
No próximo post vou comentar um pouco mais sobre as características do teatro de arena.