Buraquinhos ou o vento é inimigo de Picumã

Buraquinhos é dessas peças que você começa a ler e vai até o final, meio sem fôlego, perdendo o ar, com a sensação de estar correndo junto.

A leitura te leva a imaginar tanto as possibilidades de encenação, como dos muitos lugares por onde o personagem vai correndo.

Você pode ler o texto publicado pela Editora Cobogó ou você pode ver o vídeo publicado pelo SESC Pompéia nesse link

No Itaú Cultural é possível ler sobre a peça: “O ponto de partida acontece quando um menino negro, morador de Guaianases, bairro na zona leste de São Paulo, vai à padaria e leva um “enquadro” de um policial. A partir daí ele começa a correr e não para mais, o que o leva a uma maratona pelo mundo, passando por países da América Latina e da África.

Buraquinhos ou O vento é inimigo do picumã é idealizada por Jhonny Salaberg, ator, dramaturgo, bailarino, arte-educador e membro fundador do coletivo Carcaça de Poéticas Negras. O grupo artístico desenvolve uma pesquisa de linguagem sobre o corpo negro urbano e suas diásporas, o genocídio e o etnocentrismo na contemporaneidade e a carcaça de símbolos da ancestralidade negra.”

A peça foi super premiada e ficou 5 anos em cartaz. No dia 10 de abril de 2022, no Facebook da peça foi feita uma publicação que dizia: “No ano de aniversário de 5 anos em cartaz, voltamos pra contar essa história que, inevitavelmente, permanece atualizada. Por todos os corpos e corpas pretes ceifados pelo estado! Visto por mais 6.000 pessoas, premiado em 8 categorias de teatro, referenciado em Universidades Federais/Estaduais, Instituições, Escolas de Teatro no Brasil e na Europa (Noruega e França)”

Você também pode ver muito do que o grupo fez no Instagram, neste link.

São muitos os motivos para que você leia o texto, mas o principal é que o texto é bom!

Dizer Sim

A peça de Griselda Gambaro nos coloca dentro de uma situação absurda ou no mínimo estranha, na qual um homem vai a uma barbearia e aceita todas as imposições do barbeiro.

No texto de Sara Rojo de la Rosa sobre as obras de Griselda Gambaro ela comenta sobre essa fase ser um momento no qual a dramaturga apresenta “um mundo masculino sem saídas.”

Ao resumir seus comentários, diz: “podemos afirmar que a dramaturgia de Griselda Gambaro, inserida na história latino-americana, assume a problemática do poder com uma enunciação ciente de todos os aspectos: políticos, estéticos, genéricos, etc. Cada linguagem experimentada, cada forma empregada e cada signo utilizado estão relacionados a um projeto estético-teatral com fundamentos políticos. Por isso, quando a produção de Griselda Gambaro é rotulada exclusivamente dentro da linha dos criadores do absurdo europeu, sem se contemplar sua proposta teórica global, restringe-se a análise exclusivamente à forma.”

Esse pequeno trecho mostra um pouco desse poder exercido e da submissão opressora vivida pelo homem. A intensidade nessa forma enxuta, nesse texto curto nos oferece um tanto do que vamos vivendo cotidianamente. De alguma forma sufoca, mas com uma fluidez que te mantem presa ao texto, com vontade de saber da continuidade, do desenrolar e da maneira pela qual esse desfecho será possível.

Ficou com vontade de ler todo o texto, clique aqui e aproveite!

Tio Vania

Anton Tchekhov é o autor desta peça e de outras 13, além de muitos contos e alguns ensaios. Encenada pela primeira vez em 1899 pelo Teatro de Arte de Moscou, “Tio Vania” é uma narrativa que acontece na Rússia czarista, em uma casa no campo e mostra as relações familiares ao redor do protagonista que leva o título.

Para além das relações, sempre complexas, como costumam ser as famílias, Tchekhov nos fala das frustrações pelo não vivido. Ao menos para mim foi o mais marcante nessa peça que apresenta tantos personagens enredados em suas teias de impossibilidades.

Os motivos são diversos, a idade, a falta de dinheiro, a permanência na cidade pequena, a falta de beleza ou as escolhas malfeitas.

Cada qual em sua insatisfação buscando uma solução possível, e improvável, que minimize a frustração pelo que não foi possível até então.

Uma descrição tão pessimista pode parecer que não vale a pena, mas vale sim! O texto é ótimo e as cenas que podem ser imaginadas são fortes.

Fotos deste post são de Guto Muniz da montagem do Grupo Galpão

Mas se você acredita que ler um texto de mais de um século é difícil demais, tenho uma boa notícia! Leia a versão em quadrinhos da Editora Peirópolis!

Os quadrinhos são ótimos, feitos pelo Caco Galhardo, com os personagens dele, já bastante conhecidos pelas tirinhas do jornal. É muito interessante ver a interpretação dos personagens dos quadrinhos para os personagens da peça! Contando desta forma parece confuso, mas é uma delícia de ler.

Faz parte da coleção “Clássicos em HQ”, que tem vários outros títulos interessantes.

Você escolhe como quer ler, se a versão somente do texto ou se a versão quadrinhos, mas não perca este Tchekhov!

À flor da pele

Consuelo de Castro escreveu esta peça em 1969, há mais de 50 anos e a distância que nos separa do momento da escrita pode nos fazer pensar se é um texto que permanece atual, se vale a pena ser lido ou não.

A peça apresenta um casal, em três atos e não há dúvida de que parte dos conflitos apresentados não teriam as mesmas características, ao menos para grande parte das pessoas que vivem atualmente no Brasil e em boa parte do mundo.

A ideia de casamento foi questionada de lá para cá, o divórcio virou fato, ainda que tenha sido somente em 1977 sua aprovação, atualmente ninguém comenta de forma disfarçada o fato de uma mulher ser desquitada ou separada, como acontecia na década de 70.

Apesar das mudanças, muita coisa continua atual: um relacionamento desigual, o homem muito mais velho que a mulher, um ciúme possessivo e o medo da perda doentio.

Registro fotográfico Rodrigo Whitaker Salles

Mas para além do que a peça aborda, o que encanta é a intensidade das cenas, a dramaticidade envolvente.

Yan Michalski na Pequena enciclopédia do teatro brasileiro contemporâneo, fala sobre a autora:

Consuelo de Castro

“Representante destacada da brilhante geração de dramaturgos surgida sob a ditadura, Consuelo de Castro é, entre os autores dessa geração, talvez a que possui o corpo de obra mais volumoso e diversificado. Em comum com os outros, ela tem o sentimento de inconformismo e indignação que perpassa tudo que ela escreve. O que a distingue dos outros é a sua excepcionalmente visceral noção de teatralidade, um diálogo notavelmente colorido, que ela cria com uma espantosa espontaneidade, e uma inquietação que a faz partir sempre em busca de novos caminhos”.

Se ainda não te convenci a ler, leia o pedaço de uma cena e veja se a peça te convence:

 

 

 

 

 

 

À FLOR DA PELE

 CONSUELO DE CASTRO

 

CENÁRIO

Sala única de um apartamento. Móveis modernos e simples. Há uma aparência de completo desleixo. Quadros fora do lugar, garrafas empilhadas no chão, etc. Uma estante de livros. Uma vitrola. Acima da estante aglomeram-se posters coloridos, uma bandeira preta com os dizeres: “Seja realista; peça o impossível”. À direita, um sofá-cama aberto, com lençóis em desalinho. No centro do ambiente, uma mesa e duas cadeiras. Sobre a mesa há uma máquina de escrever, cinzeiros, jornais, livros, copos, uma caveira, tudo na mais perfeita desordem, À esquerda, um armário cheio de roupas de uso próprio e roupas de cena.

PERSONAGENS

 

VERÔNICA: A aluna. Vinte e um anos. Nostalgia da ordem.

MARCELO: O professor. Mais ou menos quarenta e três anos. Desespero   da ordem.

 

PRIMEIRO ATO

(Penumbra Verônica está só no palco, Veste um traje longo, esvoaçante e branco, seus cabelos estão soltos e cheios de flores. É uma figura muito delicada. Anda de um lado para outro, lentamente. Sua expressão é de loucura suave. Traz nas mãos um alaúde, o qual toca desafinadamente. Canta com voz rouca uma canção sem melodia: Canção de Ofélia, namorada de Hamlet, cena V, ato II – Hamlet).

VERÔNICA (Entoando) – Nunca mais o veremos?   Não mais voltará? Sumiu deste mundo,  Baixai para o fundo, Que ele não voltará.

(Ela continua repetindo alucinadamente estas frases. Desafinando com o alaúde. Às vezes rodopia leve, como fantasma)

Sumiu deste mundo,  Não mais voltará.

(Ouve-se um ruído de motor. Um carro estaciona, Ela para, assustada, acende a luz rapidamente, rói as unhas. Está apavorada com a chegada de Marcelo. Olha-se no espelho, ajeita as flores no cabelo. Faz uma careta sensual, como uma menina treinando uma pose sexy. Os passos vão se tornando próximos, ela morde os lábios).

MARCELO: (Entrando bruscamente) Oi… (Olha o traje) Ofélia de  novo? (Ela assente com a cabeça. Está muito agitada e parece uma menina envergonhada que esconde alguma coisa. Corre a beijá-lo no rosto. Ele é frio e não retribui ao beijo. Ela finge não notar a indiferença dele. Rodopia suavemente e pega o alaúde).

VERÔNICA: Estou bonita de Ofélia?

MARCELO: (Balança a cabeça. Continua com ar preocupado e indiferente). Mais ou menos…

VERÔNICA: Alguma coisa contra Ofélia, Cavalheiro? (Gentil suave).

MARCELO: Contra Ofélia? Não. (Ele deposita a capa e o guarda- chuva sobre a mesa. Parece prestes a dizer alguma coisa de muito importante. Olha para ela, que continua fazendo gestos lentos, imitando uma donzela antiga, graciosamente). Eu não vinha aqui hoje. Mas eu precisava falar com você. (Ao ouvir isto ela para com a brincadeira. Vê-se que está com medo. Rói as unhas). Suponho que a senhorita já saiba… já saiba do que se trata. Não é, Dona Verônica? (Ele ironiza e sorri, ainda muito curioso; Ela assente com a cabeça jogando os longos cabelos para frente).

VERÔNICA: (Tentando desviar o assunto de que ele ameaça falar) Depois, tá? Depois você fala, bronqueia, tudo o que quiser. (Rodopia) Fala a verdade. Não fico linda de Ofélia?

MARCELO: (Sentando-se na cama vagarosamente) Se o Shakespeare te visse… tinha um enfarte. (Som, levemente irônico, mas com um ar paternal). Você parece mais a avó da Ofélia. Está estragando a personagem. (Acende um cigarro. Ela continua rodopiando, leve e infantil).

VERÔNICA: (Recitando suavemente) Que nobre inteligência assim perdida! O olho do cortesão, a língua e o braço do sábio e do guerreiro, a mais florida esperança do Estado… O próprio exemplo de educação, o espelho da elegância…

MARCELO: (Interrompendo) Quantos litros de uísque você entornou  desde o (Ironiza) “ocorrido”?

VERÔNICA: (Parando de recitar) Eu? (Finge espanto) Eu?!

MARCELO: Você sim. Quantos litros de uísque? Vamos lá…

VERÔNICA: Nenhum… (Ri) Nenhum, imagine. Por que você pergunta isto?

MARCELO: Basta olhar para suas olheiras…

VERÔNICA: (Zombeteira ainda; olhando-se no espelho) Não estou vendo olheira nenhuma… (Olha novamente. Graciosa e irônica, começa a examinar detidamente os olhos). Nenhuma mesmo. Engraçado! (Aproxima- se dele) Onde você viu olheiras em mim? Meu Marcelo… Está vendo coisa… (Tenta seduzi-lo, aproximando o rosto bem próximo ao dele),

MARCELO: É só lavar essa maquiagem pesada e você enxerga. Lava a cara e depois vem sentar aqui, direitinho, que eu preciso conversar sério com você. Certo?

VERÔNICA: (Olhando-o assustada. Morde os lábios. Senta-se ao lado dele) Você… não vai brigar comigo, vai?

MARCELO: Não. Vou apenas colocar tudo em pratos limpos.

VERÔNICA: (Levanta-se, andando de um lado para outro, Agitada) Sei que você está uma onça. (Ri) Eu sei… Mas olha… eu… eu estava fora de   mim. Completamente fora de mim…

MARCELO: Isto não justifica nada, menina.

VERÔNICA: Eu não sabia direito o que estava fazendo.

MARCELO: Você NUNCA sabe direito o que está fazendo. VERÔNICA: Aquele dia principalmente…

MARCELO: Que é que te deu na telha de…

VERÔNICA: Não sei, não me pergunte… (Tapa o rosto, teatral). Não quero falar nisto. Eu já disse. Eu estava fora de mim.

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Para ler o texto na íntegra, acesse aqui.

Sonhos de uma noite de verão

 

Montagem do Teatro São Pedro, foto disponível aqui.

 

Sabe uma história na qual as tramas vão sendo criadas por meio de confusões? Pois é, essa é uma delas.

Para quem nunca leu uma peça de Shakespeare pode ser que no começo tenha alguma dificuldade com o texto, que é escrito em uma linguagem pouco usual, afinal foi escrito há vários séculos, o que faz com que sejam outras as palavras e as composições das frases. Mas quando você passa deste momento de incomodo e se propõe a imaginar e observar a beleza do que é proposto, é puro deleite!

Com direito a personagens do mundo das fadas e muitos amores que provocam dor e alegria, essa peça é leve e divertida. Leia um trecho do início da peça e aproveite para imaginar como ela poderia ser encenada. Para ler toda a peça, acesse este link

Apresentação da companhia Novelo, foto disponível aqui 

 

“LISANDRO – Então, minha querida, por que as faces tão pálidas assim? Qual o motivo de murcharem tão rápido essas rosas?

HÉRMIA – Talvez por falta da água que lhes viesse da tempestade dos meus próprios olhos.

LISANDRO – Oh Deus! Por tudo quanto tenho lido ou das lendas e histórias escutado, em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor. Ou era grande do sangue a diferença…

HÉRMIA – Oh sofrimento! Nascer no alto e aceitar o cativeiro!

LISANDRO – … ou mui disparatadas as idades…

HÉRMIA – Oh dor! Unir-se a mocidade às cãs!

LISANDRO – … ou tudo os pais, sozinhos, decidiam…

HÉRMIA – Não há maior inferno: estranhos olhos para escolher o amor!

LISANDRO – … ou, quando havia simpatia na escolha, a guerra, as doenças, e a morte, conjuradas, o assaltavam, qual simples som deixando-o, transitório, tão curto corno um sonho, movediço como uma sombra instável, tão ligeiro como raio de noite tempestuosa que, de súbito, rasga o céu e a terra, mas que antes de podermos dizer “Vede!” pelas fauces das trevas é tragado. Tudo o que brilha, assim, em ruína acaba.

HÉRMIA – Se sempre contrariados foram todos os amantes sinceros, é que o próprio destino o determina desse modo. Que nos ensine, pois, a ser pacientes a nossa provação, já que é desdita fatal dos namorados, como os sonhos, pensamentos, suspiros, dores, lágrimas, do pobre amor são companheiros certos.

LISANDRO – Isso consola. Porém, Hérmia, escuta-me: a sete léguas, só, de Atenas mora minha tia, uma viúva muito rica que, por filhos não ter, me considera seu herdeiro exclusivo. Em casa dela, minha Hérmia encantadora, poderemos casar-nos, por ficarmos, então, fora das rigorosas leis dos atenienses. Se me amas, foge da mansão paterna na noite de amanhã. No bosquezinho a uma légua distante da cidade deverás encontrar-me, justamente onde uma vez te vi em companhia de Helena a realizar os sacros ritos de uma manhã de maio.

HÉRMIA – Meu bondoso Lisandro, eu juro pelo mais potente arco do deus Cupido, por sua seta melhor de penas de ouro, pelas meigas pombas de Vênus, pelo que une as almas e confere ao amor virentes palmas, pelas chamas em que se abrasou Dido após abandoná-la o Teucro infido, pelas juras que a todos os instantes violado têm os homens inconstantes, mais do que numerosas, infinitas, do que as que foram por mulheres ditas: amanhã, sem faltar, no grato abrigo de que falamos, estarei contigo.

LISANDRO – Não faltes à palavra. Aí vem Helena.”

Édipo em Colono

Édipo é famoso por muitos motivos e você poderá saber sobre o primeiro livro da trilogia de Sófocles, chamada Trilogia Tebana, lendo este post.

Édipo em Colono é continuação de Édipo Rei e irá narrar as desventuras de Édipo depois da tragédia que faz com que morra Jocasta e ele fique cego.

Édipo vai embora de Tebas e acompanhamos seu sofrimento, assim como Antígona, sua filha.

A presença dos deuses e do destino se faz evidente nesta peça, assim como nas demais da trilogia.

Vemos também a relação de pai e filha, a força de ambos em manter a dignidade, apesar das inúmeras provações pelas quais passam.

ÉDIPO em COLONO, de Jean-Antoine-Théodore Giroust.

No momento da morte de Édipo, Antígona fala:

“Ele morreu em solo estranho de acordo com sua própria vontade. Seu leito está oculto para sempre e ao nosso luto não faltarão lágrimas. Meus olhos, pai, não param de chorar sentidamente, e não sei – ai de mim! Se terá fim esta tristeza imensa que me deixaste. Querias morrer em solo estranho, mas, por que morreste assim, tão só, longe dos meus cuidados?”

Ainda que o texto nos apresente situações e crenças de um período e uma região da civilização humana, nos fala de sentimentos e conflitos vividos por todos nós.

Dois perdidos numa noite suja

Montagem com Plínio Marcos

“Escrita e estreada em 1966, em São Paulo, no Bar Ponto de Encontro, transferindo-se em seguida para o Teatro de Arena, SP. Estreia no Rio de Janeiro em 1967.Na temporada no Teatro de Arena, SP, em 1967, Ademir Rocha foi substituído por Berilo Faccio. Ainda nesse ano, a mesma montagem se apresentou no Teatro da Rua (Rua Augusta, 2203, SP), como a primeira parte de um programa duplo, cuja segunda parte era Zoo Story, de Edward Albee. DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA é uma das peças mais montadas do autor. Foi também encenada na França, na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em Cuba, além de adaptações para  cinema.”

Esta explicação sobre a peça, assim como outras sobre a obra de Plínio Marcos pode ser vista no site www.pliniomarcos.com.

A Enciclopédia do Itaú Cultural define o autor da seguinte forma: Plínio Marcos de Barros (Santos, São Paulo, 1935 – São Paulo, São Paulo, 1999). Autor. Renovador dos padrões dramatúrgicos, através de enfoque quase naturalista que imprime aos diálogos e situações, sempre cortantes e carregados de gírias de personagens oriundas das camadas sociais periféricas, torna o palco, a partir dos anos 1960, uma feroz arena de luta entre indivíduos sob situações de subdesenvolvimento.

Esta peça é um permanente embate. Os dois personagens Tonho e Paco nos colocam perante o sofrimento da miséria que só vai se intensificando com o decorrer das cenas. A miséria apresentada por Plínio Marcos não é somente a falta de dinheiro, mas falta possibilidades, falta educação, falta sonhos, falta afeto.

O que vemos de sobra é a capacidade do autor em lidar poeticamente com este mundo para o qual pouco se quer olhar e menos ainda viver, mas um espaço que ainda permanece nos cortiços e barracos de nosso país.

Leia o começo da peça para aguçar tua vontade de continuar:

Montagem do grupo gaúcho de teatro Loucos de Palco

Um quarto de hospedaria de última categoria, onde se vêem duas camas bem velhas, caixotes improvisando cadeiras, roupas espalhadas etc.

Nas paredes estão colados recortes, fotografias de time de futebol e de mulheres nuas.

I ATO

Primeiro Quadro

(Paco está deitado em uma das camas. Toca muito mal uma gaita. De vez em quando, pára de tocar, olha para seus pés, que estão calçados com um lindo par de sapatos, completamente em desacordo com sua roupa. Com a manga dó paletó, limpa dos sapatos. Paco está tocando, entra Tonho, que não dá bola para Paco. Vai direto para sua cama, senta-se nela e, com as mãos, a examina.)

TONHO

Ei! Pára de tocar essa droga. (Paco finge que não houve.)

TONHO

(Gritando.) Não escutou o que eu disse? Pára com essa zoeira!

(Paco continua a tocar.)

TONHO

É surdo, desgraçado? (Tonho vai até Paco e o sacode pelos ombros.)

TONHO

Você não escuta a gente falar?

PACO

(Calmo.) Oi, você está aí?

TONHO

Estou aqui para dormir.

PACO

E daí? Quer que eu toque uma canção de ninar?

TONHO

Quero que você não faça barulho.

PACO

Puxa! Por que?

TONHO

Porque eu quero dormir.

PACO

Ainda é cedo.

TONHO

Mas eu já quero dormir.

PACO

Mas não vai conseguir.

TONHO

Quem disse que não?

PACO

As pulgas. Essa estrebaria está assim de pulgas.

TONHO

Disso eu sei. Agora quero que você não me perturbe.

PACO

Poxa! Mas o que você quer?

TONHO

Só quero dormir.

PACO

Então pára de berrar e dorme.

TONHO

Está bem. Mas não se meta a fazer barulho. (Tonho volta para sua cama, Paco recomeça a tocar.)

TONHO

Pára com essa música estúpida! Não entendeu que eu quero silêncio?

PACO

E daí? Você não manda.

TONHO

Quer encrenca? Vai ter! Se soprar mais uma vez essa droga, vou quebrar essa porcaria.

PACO

Estou morrendo de medo.

TONHO

Se duvida, toca esse troço. (Paco sopra a gaita, Tonho pula sobre Paco. Os dois lutam com violência. Tonho leva vantagem e tira a gaita de Paco.)

PACO

Filho-da-puta!

TONHO

Avisei, não escutou, se deu mal.

PACO

Dá essa gaita pra cá.

TONHO

Vem pegar.

PACO

Poxa! Deixa de onda e dá essa merda.

TONHO

Se tem coragem, vem pegar.

PACO

Pra que fazer força? Você vai ter que dormir mesmo.

TONHO

Antes de dormir, jogo essa merda na privada e puxo a bomba.

PACO

Se você fizer isso, eu te apago.

TONHO

Experimenta.

PACO

Se duvida, joga.

TONHO

Jogo. E daí?

PACO

Então joga.

TONHO

Você só tem boca-dura.

PACO

É melhor você me dar essa merda.

TONHO

Não enche o saco.

PACO

Anda logo. Me dá isso.

TONHO

Não vou dar. (Paco pula sobre Tonho. Esse mais uma vez leva vantagem. Joga Paco longe com um empurrão.)

TONHO

Tá vendo, palhaço? Comigo você só entra bem.

PACO

Eu quero minha gaita.

TONHO

Não tem acordo (Pausa)

(Tonho deita-se e Paco fica onde está, olhando Tonho.)

TONHO

Vai ficar aí me invocando?

PACO

Já estou invocado há muito tempo.

TONHO

Poxa! Vê se me esquece, Paco.

PACO

Então me dá a gaita.

TONHO

Você não toca?

PACO

Não vou tocar.

TONHO

Palavra?

PACO

Juro.

TONHO

Então toma. (Tonho joga a gaita na cama de Paco.) Se tocar, já sabe. Pego outra vez e quebro.

(Paco limpa a gaita e a guarda. Olha o sapato, limpa-o com a manga do paletó.)

 

 

 

A noite

Saramago novamente, desta vez com uma peça que se passa na redação de um jornal na noite de 24 para 25 de abril de 1974, em Lisboa. Para quem não sabe nesta madrugada é quando estoura a Revolução dos Cravos em Portugal e esta informação é fundamental para compreender a peça.

Imagem disponível em https://www.cmjornal.pt/cultura/detalhe/peca-de-saramago-volta-em-janeiro

A peça foi escrita em 1979 e mostra uma realidade bastante diferente da que vivemos hoje, já que os computadores, a internet e os celulares não faziam parte do nosso cotidiano. Na peça podemos acompanhar o movimento de uma redação pela busca de notícias e pela definição do que sairá publicado no dia seguinte. Conhecer o movimento de uma redação neste período já seria motivo para ler tal peça, mas não é o único.

Sendo a Revolução dos Cravos um movimento que busca romper com a ditadura de Salazar que durou quase 50 anos, podemos observar o poder da imprensa e sua influência nas definições políticas de um país. Soa familiar? Então leia! Nos momentos atuais, nada como uma peça bem escrita que nos faça acreditar que podemos nos manifestar com flores nas mãos.

Que farei com este livro?

Saramago, nesta peça, apresenta uma versão pouco conhecida de Luis de Camões. Nos mostra o momento no qual regressa das Índias com Os Lusíadas escrito e a dificuldade pelas quais passa para poder publicá-lo.

A peça envolve pela trama na qual acompanhamos Camões, pelo interesse em conhecer um momento histórico tão significativo na história do Brasil e de Portugal e pela relação que podemos estabelecer com a atualidade.

Possivelmente cause estranheza pensar nas possíveis relações com a atualidade, porém observamos as diferentes dificuldades que os artistas, sejam eles dramaturgos, atores, músicos, artistas visuais ou qualquer outro que viva de sua produção artística.

A pergunta que Camões se faz no final da peça e que dá nome a mesma: Que farei com este livro? é frequente para muitos no momento que concluem sua obra! Para nós, leitores, façamos o melhor que podemos: ler!

Leia o primeiro quadro desta peça!

PRIMEIRO QUADRO

Corte em Almeirim, Abril de 1570.

Padre Luís Gonçalves da Câmara, jesuíta e confessor do rei; Martim Gonçalves da Câmara, secretário de Estado, irmão de Luís Gonçalves da Câmara.

LUÍS DA CÂMARA: Más lembranças havereis deixado lá por Coimbra, irmão, de tempo em que fostes reitor da Universidade, para desta maneira vos caluniarem, e a mim de caminho. Algum inimigo será, ou invejoso da vossa fortuna, que é o mesmo que inimigo. Muita razão tinham os antigos quando diziam ser a inveja a mais direita estrada da inimizade.

MARTIM DA CÂMARA: De cães que ladrem e línguas que maldigam, ninguém se livra, muito menos se for confessor de el-rei, como vós, ou secretário de Estado, como eu. Esse é o tributo que os poderosos sempre tiveram de pagar. Deixai correr, se a intriga não for a mais.

LUÍS DA CÂMARA: Confiado vos vejo.

MARTIM DA CÂMARA: Perdoai outra vez. Bem sabeis como vos respeito e amo. Não vos devo menos que a nosso pai. Dele recebi a vida, de vós a fortuna, este meu cargo no Paço, a autoridade que tenho no reino. É a vossa grande bondade que às vezes me permite esquecer a diferença que fazem as nossas idades, e quanto maior é a vossa sabedoria que a minha ignorância. Mas a veneração que vos devo e por vós tenho, essa não a esqueço nunca.

LUÍS DA CÂMARA: Não quis censurar-vos, Martim. E como haveis falado das idades que temos, e da diferença que elas fazem, digo-vos que isso mesmo me preocupa. Estou velho, não espero viver muito mais, mas desejaria, quando fosse Deus servido chamar-me à sua presença, deixar-vos firme neste governo.

MARTIM DA CÂMARA: Tenho a confiança de el-rei.

LUÍS DA CÂMARA: Tendes. E muitos ódios na corte. Desenganai-vos, irmão, se enganado andais. No dia em que eu morrer, ou se antes disso Sua Alteza me preferir outro confessor, a vossa posição estará em grande perigo. Sabeis como a rainha nos tem em pouca estima. Já vos esquecestes dos trabalhos que tivemos para evitar que fosse colocado junto de el-rei, por seu confessor, um padre doutra ordem, um dominicano ou um agostinho? Se não contássemos, do nosso lado, com a influência do cardeal-infante, a Companhia de Jesus teria sido posta de parte, e perderia, neste caso, um dos seus triunfos maiores: ser confessora e conselheira de el-rei. (Pausa.) E se eu não fosse o confessor, não seríeis vós o secretário de Estado.

MARTIM DA CÂMARA: Isso que dizeis faz-me pensar se afinal não terá sido mais alta a mão que escreveu ou mandou escrever o pasquim que em Coimbra se publicou. Também a avó de el-rei nosso senhor nos acusa, a mim, a vós e à Companhia, de desviarmos Sua Alteza do casamento. E Deus sabe que tal não é verdade.

LUÍS DA CÂMARA: Será meia verdade. El-rei não quer casar, à Companhia não convém que el-rei case tão cedo. Casando el-rei, quem sabe se continuaria a ouvir-nos, ainda que tão pouco?

MARTIM DA CÂMARA: Terá então sido D. Catarina?

LUÍS DA CÂMARA: Não vou tão longe, irmão. A avó de el-rei nunca escondeu o seu pensamento, não precisaria de que mãos assalariadas o exprimissem em imundos papéis.

MARTIM DA CÂMARA: Poderia querer virar o povo contra nós.

LUÍS DA CÂMARA: Talvez. Estaremos precavidos. Ainda que tanto erra aquele que de todos se fia como aquele que de tudo se receia.

MARTIM DA CÂMARA: El-rei haverá de casar um dia.

LUÍS DA CÂMARA: Assim será, para felicidade do reino. Mas cada coisa tem seu tempo.

MARTIM DA CÂMARA: Outros reis casaram bem mais cedo.

LUÍS DA CÂMARA: El-rei casará, torno a dizer, não nos dê isso cuidado.

MARTIM DA CÂMARA: Estais preocupado, padre Luís Gonçalves da Câmara.

LUÍS DA CÂMARA: Não são mais os meus cuidados do que os vossos, Martim.

MARTIM DA CÂMARA: Então são muitos. Sabeis, como eu, que o mal não está em não haver el-rei casado até agora. Sua Alteza que idade. tem? Dezasseis anos. Um dia destes acorda de manhã e diz: quero escolher noiva. E Portugal terá a sua rainha.

LUÍS DA CÂMARA: Quisesse Deus que fosse tudo tão fácil como dizeis.

MARTIM DA CÂMARA: Vejo que vos aproximais de mim. E como não ousareis dar os passos que faltam, dir-vos-ei eu que não é casar ou não casar el-rei que vos preocupa.

LUÍS DA CÂMARA: Que é, então?

MARTIM DA CÂMARA: Terei de ser eu a declarar as palavras que a vossa língua recusa, padre Luís Gonçalves da Câmara? Rainha de Portugal, haveremos talvez, não creio é que dê ela filhos que de el-rei possam ser. (Pausa.) Perdoai se vos escandalizei.

LUÍS DA CÂMARA: Um confessor nunca se escandaliza. Sabeis o que haveis dito?

MARTIM DA CÂMARA: E vós, meu irmão, parece-vos bem que estejamos a jogar o jogo das escondidas?

LUÍS DA CÂMARA: Não vos entendo.

MARTIM DA CÂMARA: Entendeis, entendeis. Mesmo sendo eu secretário de Estado, e como vós pertencente à Companhia de Jesus, não invoco as razões e o interesse do reino para descobrir segredos de confissão. Somente vos quero perguntar se tendes a certeza de que do ajuntamento de el-rei com uma mulher, sua legítima ou barregã, poderão vir a nascer filhos. E também vos pergunto se estais seguro de que tal ajuntamento se possa carnalmente fazer.

LUÍS DA CÂMARA: Da vossa parte, é muito perguntar, senhor secretário de Estado.

MARTIM DA CÂMARA: E da vossa, pouco responder, senhor confessor de el-rei.

LUÍS DA CÂMARA: Que quereis que vos diga? São perguntas que eu próprio tenho feito em meu pensamento.

MARTIM DA CÂMARA: E que respostas vos dá ele?

LUÍS DA CÂMARA: Tenho tentado não as ouvir.

MARTIM DA CÂMARA: Isso me basta.

LUÍS DA CÂMARA: Deus fará o milagre para salvar-se o reino.

MARTIM DA CÂMARA: Grande, sem dúvida, é o poder de Deus, mas para que o homem pudesse empunhar a espada, foi preciso que o mesmo Deus lhe desse mãos. Ora, as mãos é com o homem que nascem, não lhe vêm depois. Esse milagre não o pode Deus fazer.

LUÍS DA CÂMARA: Tende tento na vossa língua, Martim Gonçalves. A Deus nada é impossível.

MARTIM DA CÂMARA: Excepto emendar a sua própria obra.

LUÍS DA CÂMARA: Calai-vos.

MARTIM DA CÂMARA: Sim, meu irmão.

LUÍS DA CÂMARA: Tivesse aqui ouvidos o Santo Ofício e nem eu vos poderia livrar de processo. (Pausa.) Que notícias vêm de Lisboa?

MARTIM DA CÂMARA: Nem melhores, nem piores. A peste não dá sinais de querer retirar-se, e agora, com estes primeiros calores de Abril, temo que redobre. Já morreram mais de cinquenta mil pessoas, geralmente do povo miúdo.

LUÍS DA CÂMARA: Nosso Senhor receba as suas almas e nos defenda a nós da contagião.

MARTIM DA CÂMARA: Amen. Aqui, em Almeirim, os ares são frescos e lavados, não chegará cá a pestilença. Lisboa está fechada, é como um caldeirão de brasas. Em não tendo mais que consumir, apagam-se a si próprias.

LUÍS DA CÂMARA: Ficam as cinzas.

MARTIM DA CÂMARA: Ficam as cinzas. (Pausa.) Sua Alteza sai amanhã a montear.

LUÍS DA CÂMARA: Gentil caçador é el-rei, e ardoroso. Em todo o reino não tem quem se lhe compare.

MARTIM DA CÂMARA: Hoje, a manhã esteve de névoa. É de manhãs assim que el-rei mais gosta. É o seu maior prazer, cavalgar às cegas.

LUÍS DA CÂMARA: Sim, manhãs de nevoeiro.

Moinho sem vento

A motivação de postar esta peça veio dos dois posts anteriores, nos quais falo sobre o silêncio na cena.

Esta peça foi escrita por mim em 1998, quando eu morava em Barcelona e pesquisava as possíveis relações do uso da proposta de Rudolf Laban no preparo do ator para a cena.

Rudolf Laban foi um teórico da dança e do movimento, e em suas pesquisas definiu quatro fatores de movimento: tempo, espaço, fluência e peso/força. A combinação destes fatores geram diferentes qualidades de movimento, chamadas por ele de dinâmicas de movimento. São oito as dinâmicas possíveis: bater, cortar, pulsar, sacudir, pressionar, torcer, deslizar e flutuar.

A explicação sobre este estudo seria longa, mas os nomes das ações são autoexplicativos, sendo possível compreender qual o movimento utilizado.

Realizo esta pequena introdução sobre o estudo de Laban pois nesta peça fiz uso desta nomenclatura para definir as diferentes qualidades de movimento.

Nesta leitura é possível perceber um texto teatral que propõe a cena e a movimentação dos atores sem que haja nenhuma fala. Espero que você faça esta leitura e consiga imaginar a cena, pensando em diferentes soluções teatrais para uma possível montagem deste texto dramatúrgico.

Foto disponível em https://pixabay.com/pt

 

 MOINHO SEM VENTO

Obra gestual em um ato

Personagens:

Carlos

Luiza

Coro de oito mulheres

 

A peça se passa em 1998, Carlos tem 33 anos e Luiza, 35.

 Um quarto que contém uma cama de casal, uma cadeira e uma mesa. A cama é colocada no fundo do palco, mas deixando espaço para que os atores se movimentem por trás. A mesa é colocada na parede esquerda, em frente, e a cadeira na parede direita. A porta da quarto fica ao lado da cadeira. Um coro de mulheres de costas, todas estão penduradas no teto por suas barrigas de mulheres grávidas.

 CARLOS: Com um papel em sua mão direita, anda da cadeira para a mesa, com passo direto, rápido e forte. A cada cinco passos, para, dobra o papel que tem nas mãos quase rasgando, olha na direção da porta e retorna a andar.

CORO: (de costas) Não queira protegê-la, Carlos, não tente.

LUIZA: Aparece de pé na porta, que está ao lado da cadeira.

Todo o CORO gira de tal maneira que se vê a barriga de todas as mulheres.

CORO: Passa a mão direita sobre a barriga, desenhando a redondeza de sua gravidez com movimentos de flutuar e se abraça, olhando sua barriga, com um movimento de pulsar, tornando a flutuar, duas vezes seguidas. Para de movimentar e mantém as mãos na barriga, olhando para Luiza.

LUIZA: Entra no quarto, para depois de dar dois passos, passa a mão em sua barriga com o mesmo movimento do coro e estende as mãos na direção de Carlos.

CARLOS: Dá um giro, ficando de costas para Luiza, apoia as duas mãos na mesa e vai lentamente apoiando os cotovelos, o peito, até se ajoelhar. Repete este mesmo movimento cada vez com mais velocidade.

LUIZA: (enquanto Carlos se ajoelha) Corre por todo o quarto, saltando a cadeira e por cima da cama, com movimentos rápidos e leves. Suas duas mãos sobem pela barriga, giram (como um moinho) desde o mais próximo de seu corpo até o mais distante, para depois se abrir e voltar para a barriga.

LUIZA: Para diante de Carlos, gira-o para si, pega suas mãos e as coloca sobre sua barriga.

CARLOS: Tira as mãos, com movimento forte e rápido.

LUIZA: Afasta seu corpo o máximo possível de Carlos, sem dar nenhum passo e para congelada com as mãos sobre a barriga.

CARLOS: Passa as mãos sobre a barriga de Luiza, com movimentos de pressionar, de cima para baixo.

CORO: Faz movimentos de proteção ao seu corpo, intercalados com movimentos de afastar qualquer pessoa que se aproxime, olhando para o lado, com medo.

LUIZA: Dá quatro passos para trás e abraça com força a própria barriga.

CARLOS: Caminha lentamente em direção à Luiza e passa novamente as mãos sobre sua barriga.

LUIZA: Dá dois passos para trás, abraçando sua barriga, com menos força.

CARLOS: Caminha lentamente em direção à Luiza e passa novamente as mãos sobre sua barriga, com mais força.

LUIZA: Dá um passo para trás e abraça sua barriga sem força alguma.

CARLOS: Caminha lentamente em direção à Luiza e passa novamente as mãos sobre sua barriga, com mais força.

LUIZA: Deixa de caminhar, continua abraçada a sua barriga.

CARLOS: Repete incessantemente, cada vez com mais força, o movimento de passar as mãos “limpando” sua barriga.

LUIZA: Vai lentamente, mudando o abraço na barriga para os seios, até chegar na cabeça, em um abraço que cobre seus olhos.

CORO: Congela o movimento com os braços deixados ao lado do corpo e as pernas soltas. O rosto e todo o corpo não demonstram nenhuma força muscular, somente a suficiente para manter-se ereta.

CARLOS: Pega Luiza pelas mãos, levando-a em direção à porta.

LUIZA: Senta-se na cadeira com movimento direto, pesado e lento.

CARLOS: Retira Luiza da cadeira, empurrando-a pelas costas com movimentos diretos e delicados.

LUIZA: Caminha pesadamente em direção à cama, onde se deita, deixando-se cair (saco).

CARLOS: Tira Luiza da cama, puxando-a pelos braços e a empurra pelo quarto, mantendo uma mão em sua cabeça e a outra no final da coluna.

LUIZA: Se deixa conduzir mantendo as duas mãos tapando a própria boca.

LUIZA e CARLOS: Caminham lentamente pela quarto, cruzando-o inteiro, até sair pela porta. Enquanto caminham, Carlos vai se colocando ao lado de Luiza, a abraça com o braço que estava em suas costas e tapa sua boca com a outra mão, Luiza permanece com as duas mãos na boca.

Saem do quarto.

CORO: Baixa em direção ao chão, com a barriga desfeita. Mantém-se preso ao teto pela barriga, mas não é mais uma barriga de grávida. Em toda a decida mantém o corpo em estado de absoluta tensão e no rosto expressão de medo. Ao tocar os pés no chão, a expressão do rosto se altera para de tristeza e o corpo perde a tensão.

LUIZA e CARLOS: Entram no quarto.

LUIZA: Olha para Carlos e corre para a esquina do quarto mais distante, onde se coloca de costas, com os braços estendidos para trás.

CARLOS: Caminha em direção à Luiza e toca suas mãos.

LUIZA: Gira, olha Carlos e faz o mesmo que antes.

CARLOS: Repete a ação anterior.

LUIZA e CARLOS: Repetem cada vez com mais velocidade esta mesma ação, até que ambos caem no chão.

LUIZA: Levanta-se, pega um dos travesseiros da cama e sai do quarto.

CORO: Solta-se do tecido “barriga” que lhe prende ao teto e sai do quarto caminhando.

CARLOS: Levanta-se do chão com pequenos movimentos de sacudir, que transformam seu caminhar em um avançar cada vez mais desfeito, até chegar ao primeiro tecido pendurado, puxando-o.

CARLOS: Avança para o próximo tecido com movimentos de torcer que vai se intensificando na força e ampliando por todo seu corpo, até puxar o último tecido. Conforme puxa os tecidos, lentamente vai se atando com eles. Começa pelos braços, seguido das pernas e da cabeça. Depois de puxar o último tecido, se coloca em posição fetal.